Demétrio Magnoli

Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

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Demétrio Magnoli
Descrição de chapéu Venezuela

Teatro em São Vicente

Para cortar as asas de Nicolás Maduro, basta denunciar a chantagem

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A agressão compensa –eis o que Nicolás Maduro concluiu ao sentar-se diante do presidente da Guiana, Irfaan Ali, e do assessor de Lula, Celso Amorim, na ilha caribenha de São Vicente. O ditador venezuelano venceu o primeiro round, obtendo negociações diretas com mediação brasileira sobre Essequibo.

Amorim foi a Caracas em 24/11 para acalmar as tensões provocadas pela Venezuela. Fracasso: depois do plebiscito de 3/12, que o governo brasileiro qualificou de modo condescendente como "assunto interno", Maduro escalou a agressão. O venezuelano redesenhou o mapa dos dois países incorporando 70% da Guiana; nomeou um general-governador para a "Guiana Essequiba"; anunciou a concessão de cidadania aos habitantes de Essequibo; autorizou a estatal petrolífera PDVSA a conceder licenças de exploração no território "anexado"; deslocou uma divisão do Exército para a fronteira. A violação da soberania guianense só não chegou –ainda– às vias militares.

O ditador venezuelano Nicolás Maduro, e o presidente guianense, Irfaan Ali, cumprimentam-se em reunião para amenizar tensões sobre disputa de Essequibo, em Kingston, São Vicente e Granadinas
O ditador venezuelano Nicolás Maduro, e o presidente guianense, Irfaan Ali, cumprimentam-se em reunião para amenizar tensões sobre disputa de Essequibo, em Kingston, São Vicente e Granadinas - Divulgação - 14.dez.23/Palácio Miraflores via Reuters

O Brasil, potência regional e país vizinho, consentiu pelo silêncio. Despachou meia dúzia de blindados para a fronteira, sinalizando ao menos que não será cobeligerante numa hipotética invasão militar. Mas, no lugar de uma condenação formal, o Planalto e o Itamaraty limitaram-se a frases ocas sobre "diálogo" e "paz".

O Brasil jamais se sentaria numa mesa de negociação caso a Bolívia resolvesse reabrir a "questão do Acre" adotando medidas unilaterais similares às de Maduro. À Guiana, sobrou reiterar que o foro apropriado para a controvérsia é a Corte Internacional de Justiça, informar a realização de exercícios aéreos com os EUA e sugerir sua disposição de abrigar uma base americana.

Maduro não sabe governar seu país, mas conhece a trilha de uma escalada e, em 8/12, anunciou uma visita a Moscou. Bastou ameaçar: o espectro do encontro com Putin, mestre da guerra de conquista, valeu-lhe novos (e frutíferos) contatos com o Brasil. Daí surgiu a reunião de São Vicente –e, em contrapartida, a suspensão temporária da viagem ao Kremlin.

O envolvimento direto de potências externas em assuntos sul-americanos figura, corretamente, como antigo tabu para o Brasil. Isso pesou na decisão de persuadir a Guiana a sentar-se à mesa da diplomacia diante do agressor. Há mais, porém: a aliança de tantos anos entre o lulismo e o chavismo. Em São Vicente, Amorim teve a oportunidade de condicionar o diálogo ao recuo nas medidas agressivas unilaterais adotadas pela Venezuela. Preferiu, movido pelas afinidades políticas, rolar a pedra ladeira abaixo, norteando-se por um ilusório apaziguamento.

Essequibo é, para Maduro, um outro nome de petróleo e repressão interna. Os 11 bilhões de barris de petróleo leve do pré-sal guianense têm maior valor que o óleo viscoso extraído na Venezuela. Mas, sobretudo, a aventura territorial propicia ao ditador um caminho para intensificar a repressão a opositores, esvaziando de substância o acordo por eleições livres.

O regime assinou o acordo com a oposição em troca da suspensão das sanções dos EUA às exportações petrolíferas venezuelanas. Maduro sabe que rumaria à derrota certa em eleições competitivas –e enxerga em Essequibo um pretexto para, enrolando-se à bandeira nacional, montar uma nova farsa eleitoral. Na esteira do plebiscito, já mandou prender 14 opositores, acusando-os de "traição à pátria" pela suposta participação num complô do "imperialismo americano e da Exxon".

A operação, contudo, depende de incessantes provocações à Guiana, no palco teatral do "diálogo" e da "negociação". O Brasil ainda tem meios para interromper o espetáculo perigoso. Como Kissinger explicou, "uma ameaça de uso da força que demonstra ser ineficaz é uma confissão de impotência". Para cortar as asas de Maduro, basta denunciar a chantagem, recusando o papel de coadjuvante na peça encenada por um tiranete de aldeia.

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