Demétrio Magnoli

Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

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Demétrio Magnoli

Supremo militante

Lula ignorou candidaturas que incluíam o notório saber jurídico

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A Constituição estabelece o notório saber jurídico como condição para ocupar uma cadeira no STF. Na campanha eleitoral, Lula prometeu obedecê-la, evitando indicar amigos e partidários, como fez em 2009, no caso de Toffoli. Já violou a promessa duas vezes, com Zanin e, agora, Flávio Dino. São violações diferentes. Zanin, opção pessoal, cumpre a função de proteger os interesses diretos do presidente. Dino, fruto de acordo político, reforça o projeto de poder do STF.

Constituição? Isso é para dias celebratórios. Assim, sem incômodo, Lula ignorou candidaturas que incluíam o notório saber jurídico, como a de Maria Paula Dallari.

O ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), indicado para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília
O ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), indicado para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília - Adriano Machado - 9.nov.23/Reuters

O PT e a militância identitária reclamaram, por outros e distintos motivos, da escolha presidencial. Lula não liga: sabe que o PT precisa curvar-se humildemente a seus caprichos e, ainda, que a voz das correntes identitárias só encontra eco no ambiente universitário e em alguns veículos de comunicação. Tanto o petista de carteirinha quanto a mulher-símbolo (a "mulher-negra") podem esperar.

Ministros de governo nascem, amiúde, de acertos espúrios com o centrão. O futuro ministro do STF também foi consagrado num conchavo, mas com Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Lula, que confia na fidelidade de Dino, não perde. Contudo, o prêmio maior vai para a dupla de juízes-políticos, que se torna uma trindade. Por essa via, o Supremo galga mais um degrau rumo ao estatuto de Poder Moderador.

A estrutura de equilíbrio de poderes da Nova República estiolou-se aos poucos, até entrar em colapso no período que separa o impeachment de Dilma Rousseff dos atos golpistas do 8 de janeiro. Nesse intervalo caótico, enquanto o Executivo cedia parte substancial de suas prerrogativas ao Congresso, o Legislativo tornava-se refém do centrão, abdicando de suas funções constitucionais. A cavalgada do Supremo militante, que encontrou uma pista plana entre as ruínas da arquitetura institucional, acelera-se no terceiro mandato de Lula.

Os juízes de capa preta almejam legislar no espaço abandonado pelos congressistas e, simultaneamente, cumprir o papel de tribunal criminal da elite política. O toque de reunir ecoou como reação às conspirações autoritárias do bolsonarismo. Alexandre de Moraes abriu um "inquérito de ofício" que confere prerrogativas excepcionais ao STF. Gilmar Mendes evocou a noção de "democracia militante", uma singularidade alemã formulada na reconstrução pós-nazista, para erguer os alicerces doutrinários que sustentam o novo Poder Moderador.

Bolsonaro é um improvável beneficiário das ambições do STF. O TSE declarou-o inelegível por "flertar com o golpismo", antecipando na esfera administrativa uma condenação de natureza criminal, e os soldadinhos de chumbo do 8/1 ouvem sentenças de prisão de até 17 anos. Contudo, o autor intelectual do golpe frustrado permanece fora do banco dos réus.

Há lógica nisso. No cálculo dos magistrados supremos, o adiamento interminável do desenlace cumpre uma função política: a emergência perene, representada pela figura do chefe dos golpistas, alimenta o projeto de poder do STF.

"A democracia sou eu" –eis a mensagem do STF. A PEC do Senado, que preserva leis aprovadas no Congresso dos efeitos de decisões judiciais monocráticas, foi falsamente descrita como uma "afronta à democracia". O Poder Moderador não aceita limites –e, para aplacar sua ira, um deputado governista deflagrou na Câmara uma operação preventiva destinada a remeter a PEC ao crivo do Supremo antes da deliberação parlamentar final.

Lula expressou, no passado recente, sua contrariedade com os excessos de protagonismo do STF. Coberto de razão, explicou que a Constituição delineia as fronteiras de atuação dos Poderes da República. Mesmo assim, decidiu perseguir as boas graças do Poder Moderador. É por isso que Dino vestirá uma capa preta.

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