Em um grupo de 120 crianças e adolescentes pretos, pardos e brancos, de cinco a 13 anos, quase metade dos entrevistados pretos (46,3%) manifestaram não gostar da cor da própria pele. Entre as crianças pardas, esse índice foi de mais de um terço entre as consultadas (38,5%). Em contraposição, os entrevistados brancos expressaram satisfação em relação à sua identidade racial em 82,5%.
Os resultados são do estudo "Mães que dialogam sobre racismo e valorização do grupo racial fortalecem a autoestima de crianças negras", premiado pelo Núcleo Ciência pela Infância, composto por instituições como a Universidade Harvard e a Faculdade de Medicina da USP.
O levantamento, cujo objetivo central é detectar como o racismo e a discriminação racial impactam na autoestima negra desde a infância, também identifica como os pequenos se autopercebem e de que forma estratégias de socialização como o diálogo dentro de casa, com a figura materna, incide nesses resultados.
O retrato que emerge do trabalho, e que também se baseia em entrevistas com as mães dessas crianças e adolescentes, evidencia que, apesar de o antirracismo se ter tornado um tema popular, em termos concretos mensagens racistas continuam sendo emitidas com contundência suficiente para gerar resultados deletérios desde os primeiros anos de vida.
"Ocorre que há uma evidenciação do racismo e pouca clareza na resposta em termos de restauração da justiça ao grupo ou pessoas ofendidas", diz à Folha a autora do estudo, Dalila Xavier, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe.
"Pais e mães que veem essas incoerências podem ficar sem palavras diante de seus filhos. E, ao ouvir os fatos trazidos e a incerteza de soluções eficazes, as crianças podem tirar suas próprias conclusões desfavoráveis ao valor de sua cor e sua autoestima", analisa a pesquisadora.
A importância de falar de racismo com os filhos, e de poder explicar a problemática, mas também compartilhar valores positivos em relação a identidades étnico-raciais próprias e alheias, foi outro fator avaliado na pesquisa.
De tão medular, inevitável e dolorosa, essa introdução ao abominável mundo da discriminação, que os pais precisam fazer a seus filhos para que entendam muitas das situações que viveram, vivem ou viverão, ganhou entre a comunidade negra o epíteto de "a conversa".
"A conversa" e, muito melhor, "várias conversas" trazem efeitos positivos na construção da autoestima das crianças. Esse diálogo costuma ser mais abundante em lares em que as mães possuem maior grau de escolaridade, também indica a pesquisa.
Segundo o estudo, 57,1% das que têm ensino superior falam mais com os filhos sobre preconceito, respeito e pertencimento, o dobro da cifra constatada entre mães com ensino médio (28,6%) e quatro vezes mais que os resultados obtidos entre mães não escolarizadas ou com ensino fundamental (14,3%).
"A criança adquire sua identidade ainda na infância em meio ao processo de socialização. Nesse sentido, o diálogo realizado por pais e educadores auxilia as crianças a valorizarem o próprio grupo étnico-racial, contribuindo para seu desenvolvimento pleno", explica a pesquisadora.
"É necessário maior investimento em políticas antirracistas, sobretudo, que atendam a infância negra", pondera Xavier.
A pesquisa, e também sua autora, indicam caminhos possíveis: "Apoio, fortalecimento e implementação de políticas públicas já existentes, como as leis 10639/03 e 11.645/08 nas escolas, e leis de incentivo ao antirracismo, além de projetos longitudinais para a aferição dos efeitos das leis antirracistas a curto, médio e longo prazo", enumera ela.
E também "estímulo à criação de projetos interventivos de combate à discriminação racial nas escolas e fomento à capacitação para professores, promovendo letramento sobre conflitos entre grupos sociais, identidades, preconceito, racismo, estereótipos e discriminação".
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