Certa vez, ao ser indagado sobre o papel da cultura no combate às desigualdades, Danilo Santos de Miranda foi enfático ao afirmar o potencial da produção simbólica para o desenvolvimento mais equitativo da sociedade.
Para ser mais específico, o saudoso diretor regional do Sesc–SP destacou a valorização do circuito cultural periférico como fundamental para essa finalidade, ressaltando a presença de unidades da instituição que dirigia nos subúrbios paulistanos.
O apoio à cultura nas periferias, porém, deve ir além dos equipamentos. Se dependesse apenas deles, o movimento cultural periférico de São Paulo não teria a força que tem. Diferentemente do que acontece nas áreas da saúde ou da educação, a cultura pode prescindir de equipamentos para se desenvolver, embora a oferta de espaços físicos qualifique a difusão e produção artísticas.
Na falta de espaços públicos, a cultura nas periferias se dá nas ruas, praças, centros comunitários, campos de futebol, prédios públicos ociosos ou bares, como acontece com o Sarau da Cooperifa, que é realizado há 22 anos no bar do Zé Batidão. Já os slams, que são batalhas de poesia falada, adotam a ocupação de espaços públicos como tática. Assim são o Slam da Guilhermina, que acontece na estação de metrô que lhe dá nome, e o Slam Resistência, realizado na praça Roosevelt, no centro.
A Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo soube perceber essa dinâmica e criou há 20 anos uma política pública pioneira no fomento à produção cultural periférica. Trata-se do VAI –Valorização de Iniciativas Culturais, que, atualmente, repassa até R$ 51 mil para projetos de jovens entre 18 e 29 anos e R$ 103 mil para iniciativas de proponentes com mais de 30 anos (VAI II). Em duas décadas, o VAI apoiou cerca de 2.500 projetos, entre os quais o LAB Fantasma, a bem-sucedida produtora do cantor Emicida que teve nesse edital o impulso para se constituir na potência que é hoje.
O entendimento de que o apoio à cultura nas periferias vai além da construção de equipamentos fez surgir ainda, em 2004, os Pontos de Cultura, uma política em nível federal (realizada em parceria com estados e municípios) que também consiste no repasse direto de recursos a grupos culturais.
Há no Brasil cerca de 3,5 mil Pontos de Cultura, 380 deles no estado de São Paulo. Essa visão de política pública de cultura distributivista prevaleceu ao longo das duas últimas décadas e orientou inclusive a elaboração das leis emergenciais dirigidas ao setor cultural em virtude da pandemia do Covid-19, como a Lei Aldir Blanc, em 2020/21, e a Lei Paulo Gustavo. Juntas, somam R$ 6,8 bilhões em repasses.
O movimento cultural das periferias se constituiu sob a égide de tais políticas e soube defendê-las nos espaços de participação. Na 3ª Conferência Municipal de Cultura de São Paulo, realizada em 2016, o apoio à produção cultural periférica foi escolhido como segunda prioridade. Em resposta a essa demanda, foi criada na época a Lei de Fomento à Periferia, que repassa até R$ 400 mil para grupos manterem seus espaços, alguns deles ocupações culturais.
Essas políticas, além de viabilizarem a produção e a difusão cultural nos territórios, transferem renda do Estado para a sociedade civil, ativam a economia da cultura local e geram trabalho e renda, criando, assim, uma cadeia de efeitos que impactam efetivamente na melhoria da vida do povo periférico.
Ou seja, para além de bons equipamentos nas periferias, como as unidades do Sesc, as Casas de Cultura (prefeitura) e as Fábricas de Cultura (estado), reduzir as desigualdades passa por políticas que coloquem recursos diretamente na mão dos produtores e grupos culturais.
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