Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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O desmonte da CDHU é a troca da política habitacional por financiamento bancário

Fim do programa significa que quem ganha até R$ 2.000 e não consegue empréstimo pode não ter acesso à moradia

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De autoria do governador de São Paulo, João Doria, o projeto de lei 529/2020 propõe a extinção da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo, a CDHU.

A justificativa apresentada é a de estabelecer medidas voltadas ao ajuste fiscal, bem como a suposta “perda de espaço” da CDHU para os programas Casa Paulista e Minha Casa Minha Vida. Para as pessoas que desconhecem, a companhia é voltada a executar programas habitacionais para famílias de baixa renda.

Primeiro, vale destacar a importância da companhia. À coluna, Irene Rizzo, funcionária da CDHU há mais de 40 anos, afirmou:

“A implementação do atendimento habitacional, pela CDHU, abrange a produção de novas moradias, urbanização de favelas, intervenções em áreas de risco, de proteção ambiental, enfim, contribui para qualificar o meio urbano e a moradia. Este atendimento é um dos elementos necessários à cidadania da população de baixa renda e seu desenvolvimento, em conjunto com a saúde, educação”.

Quanto à afirmação do governador sobre a perda de espaço ante outros programas sociais, os quais vêm sendo também desmontados, a arquiteta e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Catarina Teixeira afirmou:

“A CDHU não perdeu espaço na operação direta da construção e financiamento habitacional para a Casa Paulista, as parcerias público-privadas ou o antigo programa Minha Casa Minha Vida, pois ela produz moradia para uma população que não acessa financiamento e precisa de uma parcela alta de subsídios”.

Estamos, contudo, no plano da lógica neoliberal. Se há problema de caixa, qual a responsabilidade do partido que está no poder do estado há quase 30 anos?

E mais: por que, diante de uma suposta necessidade de ajuste, são as políticas de moradia as atingidas e não as isenções fiscais dos amigos do rei?

Quem resume o absurdo é o advogado integrante do movimento de moradia e ganhador do Prêmio Internacional da Paz de Aachen, Benedito Roberto Barbosa: “Uma companhia com mais de 50 anos de existência está sendo extinta em três parágrafos, meia folha de sulfite. Isso mostra a importância que o governador Doria dá à companhia”.

As palavras de Benedito trazem o descaso do governador com a regularização urbana. Trata-se de um político com histórico no tema. Basta se lembrar das paredes do bairro da Nova Luz sendo demolidas com gente dentro.

Ilustração de uma mão negra pairando sob uma pequena casa
Linoca Souza/Folhapress

Basta lembrar também que estamos a falar de alguém que teve parte da construção de sua mansão em Campos do Jordão apontada como ilegal, ocupando área pública.

Falando nisso, Campos do Jordão não se resume ao boêmio bairro de Capivari, sendo uma cidade com profunda desigualdade social e habitações temerárias.

E a CDHU, como apontam o Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública de São Paulo e o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, é a mais importante entidade de política pública habitacional no interior do estado.

Entre 1967 e 2010, a CDHU promoveu a entrega de 499.822 unidades habitacionais, sendo 57% delas no interior. Apenas em 2019, a CDHU entregou mais de 6.000 unidades, beneficiando 1.140 famílias com urbanização de favelas e concessão de 9.455 auxílios-moradia.

Ainda há muito a ser feito: o estado de São Paulo contabiliza um déficit habitacional de cerca de 1,8 milhão de domicílios, segundo estudo da FGV. Se a Constituição demanda a moradia como um direito social, uma política frontal de desmonte incorre em evidente inconstitucionalidade.

É importante frisar que a extinção da CDHU vai significar que pessoas que ganham até R$ 2.000 por mês e não conseguem empréstimos de bancos estarão condenadas a não conseguir acesso à moradia, ao passo que essa lógica privatista serve aos interesses imobiliários capitalistas.

Será a troca da política habitacional com subsídios por financiamento bancário, prejudicando a população mais vulnerável.

“Extinguir uma companhia de habitação que produz habitação de interesse social, com recurso do orçamento, substituindo por parceria público-privada com financiamento bancário vai excluir a população de baixa renda, idosos, indígenas, remanescentes de quilombos”, denuncia Benedito.

Cabe às instituições de Justiça, deputadas e deputados e aos cidadãos e cidadãs se mobilizarem, cobrarem e buscarem informações sobre o tema, que podem ser encontradas no site ficacdhu.com.br.

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