Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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O colapso no sistema carcerário no Brasil já é atual e tende a se aprofundar

Historicamente, prisões têm sido um aparato fundamental para lidar com os grupos sociais indesejados

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Em meio a eleições municipais, um tema muito importante está em pauta nas Assembleias dos estados: a discussão e votação dos projetos de lei orçamentárias para 2021.

Serão definidas destinações de verbas públicas para as mais variadas áreas do estado do ano seguinte. Um tema fundamental, mas que passa batido no debate público.

Ou, pelo menos, quase batido. Isso porque a Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas e a plataforma Justa.org.br realizaram uma avaliação dos projetos de São Paulo e Bahia, cujos reflexos podem ser similares em outros estados. As conclusões do que está posto para o sistema carcerário são desanimadoras.

Ilustração da parte inferior do corpo de três pessoas atrás de grades. As pessoas vestem bermudas e chinelos.
Linoca Souza/Folhapress

Em São Paulo, verificou-se que a verba pública prioriza a criação de mais vagas no sistema e praticamente nenhum investimento na política para assistência a pessoas egressas.

Há diminuição, inclusive, de políticas de saúde, algo absurdo em qualquer época, mas especialmente problemático em época de pandemia.

Na Bahia, políticas básicas como alimentação tiveram redução. Seria como se investissem só para criação de mais depósitos de gente, sem qualquer preocupação com a inevitável saída dessas pessoas.

O colapso no sistema carcerário já é atual e tende a se aprofundar, pois o gasto em criação de novas vagas não chega perto de equiparar com o volume de entrada de pessoas pelo superencarceramento.

Nos últimos 25 anos, o número de penitenciárias saltou de 43 para 173 em São Paulo, porém segue muito aquém para o montante de encarcerados.

Dados do Infopen de 2015 informam que de 2006 a 2014 a população carcerária feminina aumentou em 567%, e a masculina cresceu 220%, sem que o aumento tenha refletido em qualquer índice positivo.

Prisões são inauguradas superlotadas e com estados querendo mais dinheiro para a construção de presídios, que seguirão insuficientes e sem investimentos em assistência social.

Qual o sentido nisso? Ora, insistir nessa equação pode parecer ilógico do ponto de vista de entrada e saída, mas segue a racionalidade do racismo que estrutura esse país.

Historicamente, as prisões têm sido um aparato fundamental para lidar com os grupos sociais indesejados.

No Brasil, tratou-se de uma forma de controle da população negra. Exemplos: da criminalização da vadiagem no pós-abolição, quando havia uma massa de homens negros desempregados, até a Lei de Drogas vigente, a qual relega ao Judiciário a subjetividade de definir quem é traficante e quem é usuário —e o resultado foi uma explosão de encarceramento de pessoas negras por quantidade de drogas muito menor do que o necessário para condenar uma branca.

A forma que o Estado brasileiro tem encontrado para seguir a lógica da equação é atingir desproporcionalmente pessoas negras como sujeitos de crime, ao passo que o lugar aonde são destinadas é o lugar da fome, mau cheiro, calor e escuridão.

Um lugar reprodutor de desumanidade, chave da perpetuação do sistema racista, que desumaniza quem é posto em condição de subalternidade.

É por isso que organizações estão em movimento para que não haja "nenhuma vaga a mais", ao mesmo tempo que possa haver uma reordenação no orçamento do sistema carcerário, de forma a possibilitar a assistência social para egressos.

Isso significa estudo, saúde, trabalho, apoio à família —necessário sobretudo quando a mãe, base do seio familiar e principal fonte de sustento das crianças, está presa— acompanhamento psicológico, entre tantas políticas.

Como afirma Dudu Ribeiro, cofundador e coordenador da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas: "É preciso inverter a lógica de que mais vagas no cárcere é sinônimo de mais segurança. Redirecionar esse orçamento concentrado na porta de entrada do sistema prisional para a prevenção de condições precárias de vida e para o amplo acesso a direitos, buscando uma reversão do quadro de inchaço do aparato penal e do sistema de justiça criminal sobre uma parcela significativa da população negra, replicado de um processo de violência e subalternização que é histórico".

Há tempo para deputados e deputadas estaduais emendarem o projeto para reordenar os orçamentos no oposto da lógica que está anunciada pela Lei Orçamentária para o ano seguinte.

Informações sobre essa iniciativa podem ser encontradas no site Justa.org.br e nas redes sociais da Iniciativa. É preciso se engajar junto aos deputados e deputadas para que essa equação perversa seja revista.

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