Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu Argentina América Latina

Pachamama providenciou os caminhos para que eu a encontrasse

Banhei-me no rio em San Marcos Sierra e agradeci às águas por mais um ano de vida

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Há um ano sonhei com Pachamama, a Deusa Mãe Terra, cultuada pelos povos andinos. Fui pesquisar e descobri que nasci no dia em que Ela é celebrada, primeiro de agosto. E decidi, então, que passaria meu aniversário em uma celebração a essa Deusa Mãe.

Não sabia onde nem como, mas Pachamama providenciou os caminhos para esse encontro. Ela me mostrou que havia várias comunidades da Nación Pachamama na América do Sul, inclusive no Brasil.

Passei a seguir páginas nas redes sociais e fiz alguns cursos online de 21 dias de jornada de autoconhecimento e despertar da consciência, por meio de estudo e práticas saudáveis e espirituais.

Até aí, o ano foi passando e ainda não tinha nada previsto para o meu aniversário. Me questionava às vezes se aquele compromisso não passava de um devaneio de uma manhã iluminada. Ó mulher de pouca fé, diriam os cristãos.

Até que Lucía Tennina, Michelly Aragão, Rafaela Vasconcellos, editoras da Mandacaru Editorial, me convidaram para lançar as traduções de meus livros em Buenos Aires, na Feira do Livro das Editoras Independentes, a FED.

A ilustração traz ao centro a representação de Pachamama. É uma figura feminina e gestante, ela tem cabelos negros, longos e trançados sobre um dos ombros, em seu outro ombro está um manto de folhas e flores de onde se originam montanhas floridas ao seu redor.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 31 de agosto de 2023 - Aline Bispo

Aproveitei para escrever a Paloma Aguilar e Kristiano Puma, da Nación Pachamama, que me convidaram para o mágico povoado de San Marcos Sierra, em Córdoba, na região central do país. Fiquei hospedada em uma casa supercharmosa, no meio da mata seca silenciosa, em companhia das raposas que por ali passavam.

Dia 1° de agosto, lá estava em plena praça do povoado, na cerimônia em homenagem à Deusa Mãe, conduzida pelos descendentes dos povos originários. Cava-se um buraco na terra e se oferecem grãos e alimentos para Pachamama como forma de garantir bons cultivos e de agradecê-la pela fertilidade.

Participei de uma segunda cerimônia, dessa vez na comunidade familiar de Paloma e Kristiano. Foram momentos de reverenciar a generosidade dessa deusa que está em tudo e que nos acolhe amorosamente, apesar de toda a falta de consciência dos seres humanos no cuidado com o meio ambiente.

No último dia em San Marcos, banhei-me no rio e agradeci às águas por mais um ano de vida. Gracias, Pachamama.

Sua bênção fez da turnê de lançamento de livros em Buenos Aires uma jornada no maior astral. Lucía me ciceroneou para cima e para baixo. Conversamos bastante —Javier Milei sequer era assunto naquele momento, o que foi ótimo, pois, quando, já no Brasil, vi esse homem nos jornais, tive arrepios. Falamos de coisas mais animadoras e, juntas —eu e as editoras—, ouvimos o Boliche do Roberto, histórico reduto do tango "raiz" da capital argentina.

Foi uma programação intensa, que envolveu uma noite especial de lançamento no Malba, o belo Museu de Arte Latino-Americana, onde está o "Abaparu", de Tarsila do Amaral, e uma mostra de Frida Kahlo.

Desculpem-me, mas não vou ficar de falsa modéstia: achei tudo ser recebida pelo Malba para uma visita guiada e depois poder receber convidados e convidadas no evento de inauguração.

Nesse dia especial, conheci ativistas do movimento afro-argentino e do povo mapuche e toda uma comunidade que tem feito um trabalho de resistência e letramento racial e de gênero no país. Ao contrário do que dizem, a Argentina é diversa e há um trabalho incessante da população negra e indígena por reconhecimento de direitos e reparação diante de violências históricas cometidas.

No dia seguinte, a acadêmic­­a feminista Karina Bidaseca me deu as boas-vindas no Instituto Guimarães Rosa, vinculado à Embaixada do Brasil, e mediou uma conversa de forma muito acolhedora sobre a tradução do meu "Cartas para Minha Avó". Foi a oportunidade de ser abraçada pela comunidade brasileira no país e de receber a bênção da "mais velha", Alejandra Ejido, atriz afro-cubana, que fez a leitura de uma das cartas.

No último dia de turnê, participei da Feira do Livro, onde pude trocar experiências com o público em conversa mediada pela jornalista afro-argentina Miriam Gomes. Foi um deleite conhecê-la e conversar sobre o "Pequeno Manual Antirracista".

E, claro, turistei pelo bairro de San Telmo, almocei no Puerto Madero e bati foto em frente à Casa Rosada. Ali, diante dos portões presidenciais, o povo indígena do norte do país montou barracas de acampamento e pede uma audiência com o presidente da República. Protestam que a água de seus territórios está imprópria e não há mais peixes. Estão há mais de ano acampados.

Resistem e estão aguardando serem ouvidos sobre as notícias alarmantes trazidas pela Mãe Terra. Era o recado final do encontro com Pachamama antes da volta ao Brasil.

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