Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Precisamos estar atentas a estratégias que alimentam o patriarcado racista

Disputa entre mulheres por espaço, às vezes as coloca em posição de confronto

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Recente pesquisa divulgada nesta Folha informa que o Brasil tem a Câmara dos Deputados com a maior desigualdade de gênero na América do Sul, com 17,5% de representação feminina, menos da metade da proporção registrada na Bolívia, no Equador e na Argentina. A baixa representação no Legislativo espelha as ínfimas presenças de mulheres nas cúpulas dos Poderes Executivo e Judiciário.

Políticas públicas rigorosas de paridade de gênero e raça —uma vez que homens negros e indígenas também sofrem com baixa representatividade— nas instituições do Estado e em organismos da administração pública direta e indireta continuam sendo um assunto de menor importância para os atuais governantes.

Dentro do espaço diminuto estão mulheres de diversos espectros políticos que discordam na maior parte dos assuntos. Há, ainda, aquelas que compõem um mesmo grupo, governista ou de oposição, mas que, mesmo assim, disputam entre si, de forma feroz, espaço e relevância, prejudicando umas às outras.

As disputas intragrupo são reflexo das desigualdades abismais que tornam as oportunidades escassas. Entrecruzando gênero com raça, mulheres negras e indígenas se veem em um panorama de mais sub-representação.

É vergonhoso um país da dimensão do Brasil ter números tão baixos de mulheres nos espaços de poder. Aliado a isso, é importante ressaltar que o país caminha na contramão pelo avanço ao direito das mulheres no que diz respeito à descriminalização do aborto, algo já conquistado em alguns países da América Latina, mas que, por aqui, sequer temos previsão desse assunto ser pauta, entre outras políticas de enfrentamento à violência contra a mulher, a qual, infelizmente, só cresce.

A ilustração apresenta a figura de uma mulher ao centro, falando em um púlpito com microfones à sua frente, ao seu redor estão outras figuras femininas, segurando megafones nas mãos
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Riberio de 29.fev.24 - Aline Bispo

A situação da mulher no Brasil está tão complexa que, diante de uma representação tão ínfima —um aquário tão pequeno, se formos lembrar um recente texto para essa coluna—, a briga por espaço parece a única opção possível para algumas que desejam estar nesses lugares, inviabilizando a chance da tão importante solidariedade feminista entre nós.

Como afirma a feminista negra bell hooks em sua obra "Anseios: raça, gênero e políticas culturais", "a solidariedade feminista entre mulheres negras/mulheres não brancas deve ser construída de uma maneira que nos permita engajar em críticas significativas e trocas intelectuais rigorosas, sem fazer críticas destrutivas ou contestar as outras de forma brutal".

O compromisso com a solidariedade, escreve a autora, deve vir de uma atenção perene, "considerando que vivemos em uma sociedade em que o racismo e o machismo internalizados fazem com que tratarmos uns aos outros de maneira dura e desrespeitosa seja a norma".

Muitos homens se divertem, porque seguem ocupando majoritariamente os lugares de poder, enquanto muitas mulheres são obrigadas a disputarem migalhas. Alguns chegam até a empregar mulheres em suas chefias de gabinete e em postos chave, designando-as para resolver os problemas de sua vida pessoal, como também a administração de sua equipe, em uma mimetização das relações patriarcais domésticas.

Depois de uma dedicação sobre-humana, ela ainda não será escolhida para ocupar seu lugar após ele ascender na vida pública —muito como consequência do trabalho dela. Em troca, ela ganha o prêmio de consolação: um abraço carinhoso e um post nas redes sociais do patrão. "O que seria de mim e desse lugar sem você?", pergunta ele numa gratidão por ela desempenhar o papel que restaura sua condição de macho na sociedade contemporânea.

Numa estrutura machista, espera-se das mulheres uma posição de materná-los, de ser a grande equilibrista que dá conta de tudo, e romantiza-se o lugar de sobrecarga com condescendência de sobra.

Há um outro lugar para as mulheres que não os maternam numa perspectiva patriarcal (nas próximas semanas escreverei aqui sobre maternidade). São as mulheres abusadas, que logo são taxadas de "loucas". Em outras palavras, aquelas que recusam o lugar de serem suas mães e muitas vezes precisam lidar com seus assédios. Perigosas, são "convidadas a se retirar" ou têm suas reputações destruídas.

É desaconselhável colocar uma lupa na conduta de muitos em relação às mulheres. Como também é um tabu a solidariedade entre mulheres com diferentes —ou mesmo semelhantes— pontos de vista, uma vez que isso pode vir a fomentar um enfrentamento a um sistema que os beneficia por inteiro.

É preciso seguir cobrando por mudanças efetivas para transformar esse cenário absurdo. E nós, mulheres, precisamos estar atentas e conscientes em relação às estratégias de fomento da disputa e rivalidade que só alimentam o patriarcado racista. É preciso quebrar o aquário.

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