Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu Todas Portugal

Prometo a mim mesma voltar em breve a Lisboa

E quando essa viagem terminar, a viajante recomeça e volta já

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Em Lisboa ainda é primavera. Faz calor, mas não tanto, e a brisa fresca veio da costa divertir-se conosco numa mesa farta de peixes e vinho verde.

Fui a trabalho lançar a edição do país de meu livro "Cartas para minha Avó" e tive lindos encontros.

Zeferino Coelho, o editor, como diz Kalaf Epalanga, que me apresentou a ele, é o sujeito mais jovem entre nós, apesar de quase octogenário. A animação com a qual organiza o evento junto com sua equipe da Editorial Caminho motiva a vinda para muitas outras vezes.

Há dias especiais nas nossas vidas e esses cinco dias ficarão na memória. As trocas com intelectuais como José Mário Silva, Gisela Casimiro e Isabel Zuaa, a energia eletrizante de Zeferino Coelho após os eventos e os jantares junto de sua esposa e notável escritora portuguesa, Ana Maria Magalhães, seguem em meus pensamentos. Ficam essas e outras lembranças, como o encontro delicioso entre colegas brasileiros e brasileiras de escrita que foram reunidos por Maria José Amorim, da revista Linguará.

Meus pensamentos viajam pelo gelato no fim de tarde e a excelente comida árabe preparada por brasileiros no restaurante ao lado da livraria Travessa, em Lisboa. Sorrio ao me lembrar dos momentos de carinho que senti ao receber pão de queijo de Matuta, quitandeira mineira que está abrindo seu negócio, ou ainda quando abracei Luzia Moniz, referência mais velha de Angola, que me deu a sua bênção.

Zeferino Coelho é uma figura histórica da cena editorial portuguesa e se notabiliza por ter sido o responsável por editar as obras de José Saramago por mais de 30 anos, como também obras de tantos outros autores e autoras que marcaram as últimas décadas. Contudo, o Nobel português é especial e tema de conversas no almoço e jantar com diversas pessoas que encontrei.

Fui cultivada por essa troca. E o ápice da inspiração foi a visita guiada por Pílar Del Río pela belíssima Fundação Saramago, no edifício histórico às margens do Tejo, numa manhã ensolarada de 14 de junho. A anfitriã que foi a grande companheira da vida do escritor caminhou comigo pelas letras que falam de esperança e insubmissão. Pilar é uma querida amiga e brilhante pensadora, com quem posso conversar e me refrescar.

A ilustração traz a vista de uma janela de onde se observa um avião sobre um céu cor de rosa. O avião tem as cores amarelo e verde e ao seu redor estão nuvens também em tons de rosa.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 20 de junho de 2024 - Aline Bispo/Folhapress

Não à toa, José era um homem apaixonado. Durante a visita, deparamo-nos com o seu diário e ali estava anotado, em um 14 de junho: Pilar del Río. Coincidentemente aquela era a data em que se conheceram e é, inclusive, o título de seu poema dedicado à amada.

Também ficava pensando que estava na cidade durante a semana em que se festejam os santos, com grandes carnavais na avenida do hotel onde me hospedei. Estava no lugar certo, na hora certa e Lisboa não parava de me dizer aquilo. Um dia antes, postei na rede social o que era para ser uma brincadeira, uma foto de turista sentada ao lado da estátua de Fernando Pessoa e bingo: 13 de junho era o dia de seu nascimento.

E o que era para ser uma bobagem despretensiosa ganhou ares de homenagem. Fui cumprimentada por saudar o brilhante escritor em uma época de tanta futilidade online.

Quem sabe esse emaranhado de encontros e coincidências me tocou em especial, ou o que me sensibilizou foram as forças magnéticas daquele velho feiticeiro ateu e sua amada e minha amiga. Mas quando passei por uma das paredes, parei para ler as palavras do autor que estavam cravadas:

"A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. (...) O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já".

Prometo a mim mesma voltar em breve a Lisboa. Dessa vez, vou querer ver as dicas de Gisela Casimiro sobre a cultura diaspórica, quero passear de novo pelas barracas de comida da Torre de Belém e, quem sabe, dou a sorte de encontrar novamente uma artista de rua tão excepcional quanto a que encontrei.

Quero subir o país, passar pelo Porto e chegar a Bragança. Festejar a comunidade brasileira em Braga e descer até o Algarve.

E, quando essa viagem terminar, se é que alguma viagem termina, a viajante recomeça e volta já.

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