Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

O merecido título de honoris causa de Grada Kilomba

O título ilumina os passos dessa filha dileta de Oxalá, imensa como é o ar

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A comunidade que admira o trabalho da pensadora, artista interdisciplinar e curadora Grada Kilomba está em festa. Isso porque o Ispa –instituto universitário em Lisboa onde Kilomba se graduou em psicologia clínica e psicanálise— lhe concede neste dia 14, sexta-feira, em Lisboa, o título de honoris causa pelo mérito de seu trabalho transcendental.

Segundo a presidente do Conselho Científico do Ispa, Teresa Garcia Marques, "a atribuição do título Honoris Causa é uma forma de homenagem a alguém que merece reconhecimento público por ter realizado algo relevante, no campo científico, social e/ou artístico. Grada Kilomba tem-se destacado em todas estas áreas ao longo do seu percurso profissional, desde o momento em que foi aluna do Ispa".

Uma de minhas maiores referências, Kilomba é também referência de toda uma geração que se encanta com a vastidão de seu trabalho —que, com tantas desobediências às caixinhas que buscam nos encaixar, é difícil de definir, sendo muitas coisas ao mesmo tempo.

Meu primeiro contato com ela foi quando uma colega me mandou um texto seu, em inglês, para me ajudar com minha dissertação de mestrado. O texto "Plantation Memories" foi resultado de sua tese de doutoramento na Universidade Livre de Berlim. Grada foi professora-doutora do Departamento de Gênero da Humboldt University e seus trabalhos foram marcantes.

Esse "Plantation Memories", em especial, foi um divisor de águas na minha trajetória acadêmica. A obra se tornou uma febre no Brasil anos depois, na tradução da editora Cobogó, e reúne perspectivas de raça e gênero da autora em atendimentos clínicos. Foi o livro mais vendido na Feira Literária de Paraty de 2019, um sucesso absoluto.

Em 2016, eu era colunista no site da revista CartaCapital e soube que Kilomba estava no Brasil, no Instituto Goethe, para alguns eventos. Me inscrevi tarde na fila de jornalistas que ela atenderia naquela tarde e fui a última a ser recebida. Ao me ver, ela me abriu um sorriso e nos abraçamos. Ficamos juntas por 20 minutos e publiquei uma entrevista que à época foi muito acessada. Foi o começo de nossa história.

A ilustração, de fundo amarelo mostarda e ornamentação floral azul, traz a figura de Grada Kilomba, ao centro. Ela é negra, de pele clara, usa tranças longas e uma roupa preta, que remete às vestes talares.
Ilustração de Linoca Souza para a coluna de Djamila Ribeiro de 13.abr.2023. - Linoca Souza

Nos encontramos em Berlim em 2018 e, em 2019, tive a honra de assinar seu catálogo da exposição "Illusions", na Pinacoteca de São Paulo. A exposição interpreta mitos gregos a partir de uma perspectiva africana. Eu já a tinha visto um ano antes, na capital alemã, e essa obra me vem sempre à mente, abalando as nossas formas de produção de conhecimento, de uma experiência multissensorial de ouvir e refletir sobre uma história. Atualmente, Grada Kilomba expõe esse trabalho em inúmeros museus e galerias de arte pelo mundo.

Naquele ano de 2019, durante a mágica Flip em que seu livro ventou na vila colonial, tive um encontro muito especial naquela encruzilhada da praça Matriz de Paraty. Almoçamos juntas e conheci sua família querida. Recebi naquele dia, como de uma irmã mais velha, conselhos que me acompanham até hoje.

Nos anos seguintes, nos encontramos vezes em Berlim, vezes em Paris, outras em São Paulo. Ainda bem. que estamos nos encontrando mais nos últimos tempos, visto que Grada, em conjunto a Hélio Menezes, Diane Lima e Manuel Borja-Villel, compõe a equipe responsável pela próxima Bienal de Artes de São Paulo, um dos maiores eventos de arte do mundo, que acontece no segundo semestre de 2023.

Esses encontros também foram a oportunidade de conhecer uma rede de pessoas interessantes e queridas, que têm desempenhado um papel fundamental na artística e literária contemporânea, como Moses Leo, Kalaf Epalanga, Dino Santiago, Zula Lemes, entre tantas pessoas.

Escrevo tudo isso para que vocês tenham uma dimensão do trabalho dessa pensadora brilhante. Sua produção literária imprime sua marca no debate feminista e antirracista; sua produção artística de vanguarda ultrapassou fronteiras e chegou aos cinco continentes; seu trabalho como curadora tece uma rede engajada na produção de sentidos emancipatórios.

O honoris causa, por ser justo, ilumina a história da universidade e os passos dessa filha dileta de Oxalá, imensa como é o ar, que recebe a láurea em seu país natal sob aplausos e festa de toda a comunidade que a admira.

Parabéns, minha irmã amada, você merece todas as homenagens.

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