Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Descrição de chapéu Twitter

Twitter, o X da questão

Falta coragem ao MPF para enfrentar as grandes corporações de redes sociais

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Quem me acompanha aqui nesta Folha já conhece há tempos algumas de minhas críticas à empresa de rede social e informação chamada X, muito conhecida como Twitter.

Junto com organizações do movimento negro, fizemos representações ao Ministério Público Federal (MPF) com o argumento de reparação pela empresa à coletividade negra, pela exploração econômica do racismo e da misoginia, tese do advogado líder da equipe jurídica do caso, o professor doutor Adilson Moreira. Falaremos mais sobre ela à frente.

Escrevi em várias publicações sobre isso, então não fiquei surpresa ao ser mencionada no "Twitter Files Brazil", divulgado por Musk e repercutido nas redes no Brasil.

O "Twitter Files" seria uma compilação de emails entre executivos e advogados da empresa em que discutem decisões judiciais, legislação e regulamentação no Brasil. Em algum momento, meu nome foi citado, e os argumentos na representação foram desconsiderados pelos executivos.

De forma geral, as atividades das redes sociais —que impactam a vida da maioria das pessoas no país— precisam ser reguladas por uma legislação contemporânea. A falta de limites para essas empresas afeta a usabilidade dos aplicativos, especialmente no processo de denúncias de conteúdos ofensivos, mentirosos e prejudiciais à honra, além de gerar incertezas sobre a responsabilidade civil por exposições indevidas.

Essa falta de regulação também atinge muitos outros aspectos da sociedade brasileira, como interferência em processos políticos. Questões como a arrecadação de impostos, verificação das regras de concorrência na publicidade e ética no tratamento dos dados dos usuários são outros exemplos.

Além disso, existem dados concretos que mostram um aumento dos ataques digitais a grupos vulnerabilizados. Segundo a tese de doutorado de Luiz Valério Trindade, da Universidade de Southampton, mulheres negras, que enfrentam racismo e machismo, são alvo de mais de 80% dos ataques na internet, especialmente quando estão em ascensão social. Inúmeras outras pesquisas chegam a conclusões similares.

Ilustração onde aparecem duas mãos manuseando um celular, as mãos tem punhos cobertos por mangas azuis e o fundo da ilustração é amarelo.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 22 de agosto de 2024 - Aline Bispo/Folhapress

Portanto, temos um problema gigantesco: um site que concentra há mais de uma década discurso de ódio contra populações minorizadas, que causa danos mentais e profissionais aos grupos atingidos, em prejuízo ao desenvolvimento do país. Daí entendemos que a empresa é devedora de danos à coletividade, por ter ciência dos efeitos de seu produto, descritos em ampla literatura na comunidade internacional, mas segue leniente com as devastadoras consequências. Mas, de novo, falta ao MPF coragem, ou talvez vocação, para ir contra as grandes corporações de rede social.

O Twitter, ou melhor, o X destacou-se por ser uma rede que potencializou todos os problemas comuns às plataformas de redes sociais, tornando-se um espaço distinto de maledicência e incivilidade.

Um exemplo trágico que mencionamos na representação foi o caso da menina de dez anos, estuprada e engravidada por um homem de sua família. Seu nome foi exposto e a localização do hospital onde ela estava foi revelada. Muito dinheiro foi feito naquele final de semana pelo Twitter em venda de espaços publicitários nos Trending Topics, mas a empresa só foi obrigada a remover os conteúdos relacionados por decisão judicial na semana seguinte, quando o estrago já havia sido feito na vida da criança.

Diante de um absurdo como esse, pergunto: qual indenização será devida pela empresa que vendeu espaços publicitários junto com o nome da garota?

Por falar em infâncias roubadas, essas redes também precisam ser reguladas devido ao vício que estimulam nas pessoas, em especial crianças, adolescentes e todas aquelas vulneráveis por força de lei.

Dito isso, fico realmente impressionada com a letargia do Ministério Público Federal. O fato de não haver lei de regulamentação exclui a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente? Claro que não, mas o medo é tamanho que a instituição prefere encerrar as conversas com um tapinha nas costas e um puxão de orelhas.

À época da nossa ação, organizações sociais foram cooptadas para dourar a pílula e validar mentiras contadas pela empresa. Li nesta Folha que essa mesma empresa fechou seus escritórios no Brasil. E cabe perguntar se toda essa defesa do brinquedo do bilionário valeu a pena.

De outro lado, se questionamentos como esses me tornaram indesejável por essa empresa, que maravilha. Apesar dos ataques, é bom estar do lado certo da história.

Na próxima semana, retorno com a série sobre os orixás.

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