Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Djamila Ribeiro

Não se pode combater o racismo reforçando lógicas de homogeneização

Pessoas negras não são uma massa e é preciso se atentar a suas individualidades e diferentes contribuições

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

É muito comum ouvir coisas como "tal pessoa é negra e não sabe sambar", com ar de surpresa, às vezes até de indignação, como se existisse um destino determinado. É negado o direito à individualidade, como reflete a pesquisadora Joan Scott quando diz que, muitas vezes, os próprios movimentos podem reproduzir essa lógica ao impor um modo de ser para ativistas. Ou quando ela argumenta que um indivíduo branco é responsabilizado por um erro como indivíduo e o grupo negro é responsabilizado quando um indivíduo negro erra.

Muitas pessoas já me escreveram cobrando que eu desse respostas por comportamentos equivocados de pessoas negras, mas elas nunca se veem no lugar de fazer o mesmo quando pessoas brancas se equivocam.

Alia-se a tudo isso o apagamento das contribuições da população negra e a legitimação do epistemicídio, conceito cunhado pelo intelectual português Boaventura Souza Santos e difundido pela filósofa Sueli Carneiro no Brasil. Esse conceito refere-se ao assassinato das produções intelectuais das pessoas negras que "fere de morte a racionalidade delas", citando Carneiro.

Cinco pessoa negras olhando para a direita. O fundo é azul.
Ilustração da coluna de Djamila Ribeiro feita pela Aline Bispo - Aline Bispo

Dia 20 de novembro foi o Dia da Consciência Negra, uma data importante que celebra Zumbi dos Palmares e a luta do povo negro. Fundamental louvar o trabalho de Oliveira Silveira, responsável por pesquisar a data e seus significados.

Justamente por causa desse histórico de apagamento das pessoas negras é comum que pessoas brancas queiram evidenciar o trabalho e contribuições de muitas delas. Perdi as contas das citações e marcações que recebi em uma rede social. É louvável que muitas pessoas façam isso. Porém, em alguns casos, essas ações se mostram problemáticas justamente por legitimar a lógica colonial de homogeneização.

As pessoas postam coisas como: "pessoas negras para seguir", misturando escritores, blogueiras, juristas, políticos, influenciadoras, julgando que todas as pessoas negras citadas, porque são negras, são naturalmente ativistas, quando muitas não são. Nem toda pessoa negra é ativista e muitas pessoas deveriam ser seguidas não porque são negras, mas porque seus trabalhos são inspiradores e relevantes.

Muitas vezes essas pessoas negras só têm em comum o fato de serem negras. O post poderia ser "escritoras negras de não ficção para conhecer" ou "ativistas negros com trabalhos importantes" e explicar o trabalho de cada um, ou ainda "blogueiras que falam de beleza negra". Dava para respeitar as diferenças entre as pessoas negras em vez de reforçar esse lugar de massa homogênea.

Muitos não se dão ao trabalho de esmiuçar porque estão indicando o trabalho daquelas pessoas. Há quem me indique assim: "Djamila Ribeiro, conhecida por seu trabalho na internet". Eu venho de uma família de ativistas, formada pelos movimentos sociais, tenho cinco livros publicados, traduções para cinco idiomas, um Jabuti, um mestrado em filosofia, sou membro da Academia Paulista de Letras, coordeno um selo editorial que publica autores negros, tenho diversos reconhecimentos internacionais —e sou resumida a um vago trabalho na internet.

A pessoa que me indica nem sequer conhece a profundidade do que represento, poderia citar meu trabalho e colocar que também tenho uma forte atuação nas redes sociais, mas escolhe me reduzir e em seguida já postar uma selfie. E é perceptível que esse tipo de redução acomete mais mulheres negras.

Seria inimaginável um post com "pessoas brancas para seguir", certo? Geralmente, as pessoas brancas são tratadas em suas diversidades. As pessoas brancas não misturam em um mesmo post indicações de pessoas brancas professoras, blogueiras, ativistas, youtubers ou fazem uma lista de "políticos brancos para seguir" e incluem Lula e Bolsonaro ou Trump e Biden.

Um escritor branco não estará num post com um influenciador, a branquitude não os homogeneíza; ao contrário, são tratados em suas individualidades. Que haja a reflexão de que não se pode combater racismo reforçando lógicas coloniais. Essa visão essencialista é racista ou, citando James Baldwin, "I am not your negro".

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.