Drauzio Varella

Médico cancerologista, autor de “Estação Carandiru”.

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Drauzio Varella

Se menopausa fosse em homens, ciência já teria agido

Tratamento hormonal pode aliviar sintomas e reativar a libido; não é pouco

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Somos muito tolerantes com as dores das mulheres, sejam elas físicas ou da alma –como se fosse possível haver distinção.

Imagine você, caro leitor, que ao chegar perto dos cinquenta anos, em plena atividade profissional, surgissem insônia, queda de cabelo, ressecamento na pele, nos olhos e na mucosa do pênis, infecções urinárias de repetição, sangramento genital com duas semanas de duração, sensação de inchaço, cólicas abdominais, fadiga, indisposição, diminuição da libido e dor nas relações sexuais, coisas que sua companheira interpretasse como perda do interesse por ela.

Suponha que esse sofrimento viesse acompanhado de episódios aleatórios de calores na metade superior do corpo e de sudorese intensa, a ponto de o suor pingar do rosto e ensopar a camisa no meio de uma reunião no escritório ou numa festa de casamento, seguidos de frio intenso, que se repetissem várias vezes por dia, inclusive à noite, ocasiões em que você acordasse três ou quatro vezes para se livrar das cobertas, até vir um frio de bater os dentes mesmo com dois cobertores, inconvenientes que interrompessem o sono de sua mulher.

Sobre uma pintura de Gustav Klimt (a da mulher com leque), vemos esta mulher suando terrivelmente, nos olhando com olhar desconfiado e agitando seu leque para aliviar o calor que sente. Como no quadro original, ela está em primeiro plano e ao fundo temos um painel com flores tropicais e dois pássaros (também suando muito). A ilustração tem um tom pastel predominando o bege e o amarelo
Ilustração de Libero Malavoglia para coluna de Drauzio Varella de 3.mai.2023 - Folhapress

Imagine que, ao mesmo tempo, baixasse uma neblina cerebral que embotasse a memória, o raciocínio, a capacidade de fazer contas e de lembrar palavras e nomes de pessoas. E pior, que você entrasse num estado de irritação que comprometesse a harmonia familiar e profissional, a alegria de viver e deixasse você deprimido e incapaz de conter crises de choro inexplicáveis.

Suponha ainda que esses desconfortos levassem você ao médico e ele lhe dissesse que isso era "coisa de homem", que nada havia a fazer até o quadro regredir espontaneamente em alguns meses, quando na verdade poderia durar vários anos (os calores, por exemplo, chegam a permanecer por mais de dez anos; atendi senhoras de 70 anos que ainda se queixavam deles).

Sabe o que aconteceria, prezada leitora? A ciência já teria encontrado caminhos para combater esses problemas. Como eles se instalam apenas em mulheres, no entanto, o mundo científico só começou a se interessar por eles a partir dos anos 1990, quando a reposição hormonal entrou em voga. Ginecologistas, então, passaram a prescrevê-la de rotina para grande número de mulheres quando se aproximavam da menopausa. Alguns defendiam que se tornasse obrigatória a partir das primeiras irregularidades menstruais ou dos primeiros sintomas sugestivos. Os mais radicais recomendavam-na a partir dos 40 anos.

O balde de água fria veio com um estudo desenhado com metodologia hoje considerada imprecisa: o Women’s Health Initiative (WHI), coorte com mais de 160 mil americanas em menopausa. Publicado em 2002, os resultados mostraram que a reposição provocava um "aumento pequeno do risco de câncer de mama e de doenças cardiovasculares". Segundo os autores, no caso do câncer de mama, esse aumento era "muito pequeno": menos de 0,1% ao ano. Por outro lado, houve redução da perda óssea, do número de fraturas e da incidência de câncer de cólon.

Os resultados ganharam as primeiras páginas dos jornais. Como percepção de risco confunde pessoas não familiarizadas com estatísticas, a reposição caiu em descrédito. Mas veja: o aumento do risco de câncer de mama foi de 26%. Parece muito, não? Só que, dos 50 aos 60 anos, o risco de uma mulher desenvolvê-lo é de 2,33%. Aumentar 26% significa elevá-lo para 2,94%. Além do mais, esse risco só aumenta depois de cinco anos de tratamento. A mortalidade pela doença, avaliada 20 anos mais tarde, não mostra diferença em relação às que não tomaram hormônios.

Nos últimos anos, diversos estudos revelaram que a reposição prescrita hoje emprega doses muito mais baixas do que as prescritas no WHI e que os efeitos colaterais são menos problemáticos. Por exemplo; mulheres que retiraram o útero por alguma razão podem receber reposição apenas com estrogênio —sem progesterona. Nesses casos, a incidência de câncer de mama diminui.

Prezadíssima leitora, o que fazer com tantas informações, algumas das quais contraditórias? Discutir a reposição hormonal é um direito da mulher. É um tratamento capaz de aliviar sintomas muito desagradáveis, reativar a libido e melhorar a vida na menopausa. Não é pouco.

E os problemas associados a ela? Precisam ser avaliados caso a caso por médicas e médicos informados, desses que não perderam o gosto de acompanhar a literatura científica.

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