Drauzio Varella

Médico cancerologista, autor de “Estação Carandiru”.

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Drauzio Varella
Descrição de chapéu Dengue medicina

Dengue, a doença

É vergonhoso convivermos até hoje com as mortes em razão do vírus

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A história da dengue vem de longe. As primeiras descrições de epidemias de uma doença semelhante à que hoje nos aflige datam do século 18. O vírus só foi isolado em 1943.

Existem quatro vírus causadores de dengue: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4, que compartilham entre si dois terços do genoma. São chamados de sorotipos, em função de suas interações com os anticorpos produzidos contra eles, no sangue da pessoa que foi infectada.

Presentes nas glândulas salivares do "Aedes aegypti", o vírus é transmitido quando as fêmeas se alimentam do sangue humano. Os primeiros sintomas aparecem de quatro a dez dias depois da picada —período de incubação.

Poucos sabem que 60% a 80% das pessoas infectadas permanecem assintomáticas ou com sintomas mínimos. Essas infecções inaparentes têm importância porque aumentam o risco de complicações no caso de uma nova infecção provocada por outro sorotipo, especialmente quando o intervalo entre os dois eventos é longo.

Antes a doença era classificada em dengue clássica, dengue hemorrágica e síndrome do choque da dengue. Em 2009, no entanto, a Organização Mundial da Saúde modificou a classificação para: dengue clássica, dengue com sinais de alerta e dengue grave.

A partir de uma vista superior vemos uma luta como na justas medievais. De um lado um cavaleiro em seu cavalo branco, de armadura, elmo, escudo e lança em riste e de outro um gigantesco Aedis, o mosquito da dengue, um monstro. Estão quase no entrechoque entre a ponta da lança e a ponta da picada do mosquito gigante
Ilustração de Libero Malavoglia para coluna de Drauzio Varella - 14 de março de 2024 - Libero/Folhapress

O termo "dengue hemorrágica" deve ser abandonado, para evitar confusão: podem ocorrer sangramentos em casos leves, e nem todos os casos graves evoluem com hemorragias.

Na dengue clássica, o primeiro sintoma é febre de início súbito. De repente a pessoa sente um frio estranho, muitas vezes com calafrios. Quando coloca o termômetro a temperatura está acima de 38,5º C.

Em seguida, podem surgir dores musculares e nas articulações, cefaleia, dor atrás dos olhos, náuseas, vômitos, diarreia, lesões avermelhadas na pele e nas mucosas, vermelhidão nas conjuntivas, inapetência e mal-estar.

A fase febril dura de dois a sete dias. As lesões da pele permanecem por mais três a seis dias depois que a febre cedeu. Podem ocorrer pequenos sangramentos nasais, vaginais ou nas gengivas ao escovar os dentes.

Na dengue não complicada, a forma mais comum, vem a fase de recuperação, com duração variável. Alguns pacientes voltam à vida normal rapidamente, enquanto em outros as dores no corpo e o cansaço podem persistir por dias ou algumas semanas.

As complicações acontecem quatro a seis dias depois que os sintomas se instalaram, período que coincide com a fase de defervescência.

A principal delas é o extravasamento capilar. Como o vírus provoca um processo inflamatório na parede interna dos capilares (endotélio), as células dessa camada se afastam, abrindo passagem para a parte líquida do sangue escapar para os tecidos vizinhos.

Nas fases iniciais da dengue, esse extravasamento regride espontaneamente em 48 a 72 horas. Nas formas mais graves, entretanto, ele se torna detectável clinicamente e está associado aos sinais de alerta: sangramento nas mucosas, letargia, agitação, dores abdominais, alteração da função hepática, aumento da concentração do sangue e queda do número de plaquetas.

Evoluirão para dengue grave 2% a 5% dos que ficaram doentes. Neles, o extravasamento pode levar ao choque, formação de derrame pleural com falta de ar, comprometimento do sistema nervoso central, coração, fígado, rins e perdas de sangue pela urina, aparelho digestivo, vagina, mucosas do nariz e da boca.

A hemoconcentração é acompanhada de agitação, aumento da pressão diastólica (a mínima) e da frequência cardíaca, hipotensão, extremidades frias, perturbações visuais e diminuição da urina.

Na recuperação, os fluidos que extravasaram são reabsorvidos. Em adultos às vezes evolui com fadiga e quadros de depressão que chegam a durar semanas ou meses.

A mortalidade varia de 0,01% a 5%, dependendo do acesso aos cuidados médicos. Todas as mortes são evitáveis, desde que os pacientes recebam hidratação suficiente para repor o volume de líquido extravasado no adoecimento.

Esse é o problema maior. O Ministério da Saúde recomenda a ingestão de 60 mililitros de líquido por quilograma de peso, por dia, assim que a febre se instala. Portanto, um adulto de 70 quilos deve tomar cerca de quatro litros por dia, volume quase proibitivo para os que têm náuseas e vômitos. Esses casos exigem hidratação por veia, nem sempre acessível a todos.

É impossível acabar com a dengue no Brasil, mas é vergonhoso convivermos até hoje com as mortes pela doença.

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