Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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'Os doidos daí testaram a tal cloroquina sem informar aos pacientes', escreve dom Pedro 2º a Jatene

Pasteur horrorizou-se com os charlatães que empurravam cloroquina nos pacientes

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Prezado doutor Jatene,

Escrevo-lhe por sugestão de meu médico, o conde de Motta Maia, do nosso velho amigo Louis Pasteur e de seu pai, o doutor Adib.

Na noite de 17 de novembro de 1889, quando uns militares me embarcaram como negro fugido, mandando-me para a morte no exílio, eu lhes disse: "Os senhores são uns doidos".

Passou-se o tempo e vejo que de tempos em tempos nossa terra fica nas mãos de doidos. Em março do ano passado, Vosmicê disse que 45 mil moradores de São Paulo seriam atingidos pela epidemia desse novo vírus. Foi um Deus nos acuda, como se o senhor fosse mais um doido. Na semana passada, os infectados da sua cidade passaram de 1,5 milhão. Os mortos foram 30 mil.

O doutor Pasteur horrorizou-se com os charlatães que empurravam cloroquina nos pacientes e pediu-me que Vosmicê lembrasse aos seus colegas e a esse moço que governa o Brasil o que lhe aconteceu, lidando comigo, em 1884.

Ele pesquisava uma vacina contra a raiva. Aplicando-a em cães, havia dado resultado, mas era preciso testá-la em gente. Foi quando me escreveu, oferecendo-se para testá-la no Brasil. Pedia que eu a oferecesse a presos condenados à morte. No dia da execução, tomariam a vacina. Se morressem, ficaria tudo igual. Se sobrevivessem, estariam livres. Eu lhe disse que no Brasil não aplicávamos mais a pena de morte, pois eu a comutava.

(Como bom dissimulador, estava desconversando, reconheço.)

Os doidos daí testaram a tal cloroquina sem informar aos pacientes e o moço do governo fez propaganda do remédio até em reuniões de chefes de Estado.

Mesmo entristecido, sinto-me vingado: Os senhores são uns doidos.

Atenciosamente,

Pedro de Alcântara.

Jango em Moscou e na China

Passados 60 anos, veio à tona o relatório do embaixador João Augusto de Araújo Castro, narrando a visita de João Goulart à China, em agosto de 1961. O texto é de 4 de setembro, quando a crise provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros já havia esfriado, com a solução do parlamentarismo que permitiria a posse de Jango.

Em 30 páginas, Araújo Castro conta a passagem da comitiva do então vice-presidente por Moscou e Pequim. No dia 25 de agosto, quando Jango já estava em Singapura, Jânio renunciou. Mais tarde, Araújo Castro viria a ser o último chanceler de Goulart e morreria em 1975, como embaixador do governo do general Médici em Washington.

O relatório de Araújo Castro mostra como os chineses tentaram forçar a transformação de um acordo interbancário num sinal de reconhecimento do governo de Pequim, com o qual o Brasil não tinha relações diplomáticas. Jango e Castro habilmente contornaram a manobra e acabou tudo bem.

Antes de chegar a Pequim, a comitiva de Goulart passou por Moscou, onde Jango se encontrou com o primeiro-ministro Nikita Khruschov e ouviu o seguinte: "Eu disse a Kennedy [o presidente dos Estados Unidos]: Fidel Castro não é comunista, mas acabará sendo. Ele não tem alternativa".

Khruschov tinha um viés fanfarrão, mas sabia do que estava falando.

Naqueles dias os Estados Unidos já haviam rompido relações com Cuba e a Casa Branca havia patrocinado uma fracassada invasão da ilha.

No dia em que Araújo Castro assinou seu relatório, Fidel mandou uma carta a Khruschov pedindo 388 mísseis de curto alcance. Era o início de uma negociação que evoluiu para a entrega de ogivas nucleares capazes de atingir os Estados Unidos e, um ano depois, levou o mundo para a beira da Terceira Guerra Mundial.

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