Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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A tortura produziu uma milícia

Os ministros do STM se afastavam do terrorismo

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A revelação, pela repórter Miriam Leitão, das gravações pesquisadas pelo professor Carlos Fico nos arquivos do Superior Tribunal Militar tirou do armário o esqueleto da tortura praticada nos porões dos quartéis durante a ditadura. Engana-se o vice-presidente Hamilton Mourão quando pergunta: "Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. Vai trazer os caras do túmulo de volta?"

Mark Twain ensinou, há mais de um século: "A História não se repete, mas rima".

É pela rima que convém recuperar as falas de dois ministros do STM. O general Rodrigo Octávio Jordão Ramos morreu em 1980 e o almirante Júlio de Sá Bierrenbach em 2015. Ambos foram oficiais ativos dos períodos de anarquia militar do século passado.

Mobilização de tanques no Rio de Janeiro em abril de 1964 - Arquivo Nacional/Correio da Manhã

Rodrigo Octávio, ou R.O, era um obsessivo defensor da presença do Exército na Amazônia. Defenderia em sessões secretas e públicas a apuração das denúncias de tortura. Ambos sabiam o que acontecia nos porões.

A partir de 1976, Bierrenbach e R.O. tornaram-se paladinos do combate à "tigrada" que se apoderara do aparelho repressivo da ditadura. O general deixou o STM em 1979, quando lhe foi negada a vez para assumir sua presidência. O almirante fez o que pôde para apurar o atentado do Riocentro, de 1981, no qual morreu o sargento do DOI quando explodiu a bomba que tinha no colo.

Para se buscar a rima é preciso voltar a 1976. Em janeiro, o presidente Ernesto Geisel havia demitido o general comandante da guarnição de São Paulo depois da morte do operário Manuel Fiel Filho numa cela do DOI.

Fiel era o terceiro preso "suicidado" naquele DOI desde agosto de 1975. Punham-se bombas em bancas de jornais que vendiam semanários oposicionistas. Para desgosto da "tigrada", desde fevereiro, R.O. defendia um caminho para o retorno à normalidade democrática. (Seu filho, tenente-coronel, tinha o telefone grampeado.)

Três semanas antes da fala de Bierrenbach, na noite de 22 de setembro de 1976, uma patrulha terrorista sequestrou o bispo de Nova Iguaçu, D. Adriano Hipólito, pintou-o de vermelho e deixou-o numa beira de estrada.

Explodiram seu carro perto sede da Conferência Nacional dos Bispos e de lá seguiram para o Cosme Velho, onde puseram outra bomba na casa do jornalista Roberto Marinho, dono das Organizações Globo.

Ela explodiu embaixo da janela do quarto de dormir. Marinho e sua mulher foram derrubados da cama. Ele convocou o detetive particular Bechara Jalkh e em três meses o atentado foi esclarecido. Um dos terroristas havia sido repórter do Globo.

Na patrulha estava pelo menos um oficial oriundo do Centro de Informações do Exército e do Serviço Nacional de Informações. Em 1968 ele participara de atentados a teatros e vinha redigindo panfletos contra o governo.

Num deles, insultou o general Newton Cruz, que morreu há poucos dias. Tomou de volta um telefonema típico do temperamento de "Nini", como era conhecido o general.

Os ministros do STM reagiam também diante do novo fenômeno. A "tigrada" da repressão política havia produzido uma milícia terrorista. Todo mundo sabia de onde saiam as bombas, mas assim como desde 1964 não se apurava quem torturava presos, não se apuraram os atentados.

Foi preciso que a bomba do DOI explodisse cinco anos depois no colo do sargento, para que o país se desse conta a ação daqueles milicianos no estacionamento do Riocentro. A História não se repete, mas rima.

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