Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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O filme da Covid-19 ainda não tem roteiro pronto

A evolução do coronavírus não permite concluir que novas variantes serão menos agressivas

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Vírus mortal. Basta uma rápida procura por essa expressão em filmes e aparece uma longa lista, começando por "Contágio", talvez o filme mais realista de uma suposta terrível pandemia, passando por "Doze Macacos", até o apelativo "Guerra Mundial Z", onde infectados viram zumbis a procura de cérebros.

Em muitos deles, imagina-se um vírus que ganhou agressividade para aniquilar humanos, em muitos casos com requintes sombrios. Mas tudo para satisfazer o desejo dos produtores dos filmes e atrair a audiência fascinada pelo drama.

Da ficção para a realidade, vale refletir sobre os fatos. E, claro, contextualizar na atual pandemia.

Pessoas usando máscaras fazem fila em frente a uma agência bancária
Pessoas de máscara fazem fila em frente a uma agência bancária em Lima, no Peru, durante fase mais crítica da pandemia de coronavírus - Mariana Bazo - 19.ago.2020/Xinhua

Todas as espécies passam por processo de evolução, dirigido pela seleção natural. Em outras palavras, não é o mais forte ou o mais sábio que prevalece, mas o que se adapta melhor, como disse Charles Darwin em seu célebre livro de 1859, "A Origem das Espécies".


Com os vírus não seria diferente. Aliás, a velocidade com que se multiplicam é tão grande que fica muito mais fácil documentar o processo evolutivo. Em humanos, por exemplo, leva muito mais tempo, fazendo com que a demora e sutileza nas mudanças, embora contundentes, faça alguns duvidarem da evolução das espécies advogando pela fantasia criacionista.

O crescente número de variantes do coronavírus que causa Covid-19, o SARS-CoV-2 leva, inevitavelmente, à pergunta: o que acontecerá com sua capacidade de causar doença?

Usando letras gregas, a OMS vem classificando as variantes de preocupação que foram surgindo. Isso porque foram ganhando mais capacidade de transmissão, respeitando o princípio de evolução. Assim, foram substituindo as anteriores. Outra vez, a melhor adaptada, prevalece.

A agressividade da doença não seguiu o mesmo caminho. Foi flutuando para cada variante. Esperado? Sim, pois a capacidade de agredir o paciente pouco faz diferença para o vírus. Quando começa a pior fase da doença, em geral na segunda semana após o início dos sintomas, a principal fase da transmissão já passou.

Foi essa reflexão que fez um grupo de pesquisadores há dois dias. Ao analisarem dados da Inglaterra pelas diferentes variantes, mostram que o caminho da agressividade tem sido aleatório.

Houve uma certa esperança de que o vírus rumava, com o acúmulo de mutações, para se transformar em um germe pouco agressivo com a chegada da ômicron. Muitos chegaram a achar que a "solução" para a pandemia viria com um vírus menos agressivo. Alguns estudos sugerem, de fato, que é um vírus mais brando, tanto em modelos em animais experimentais, como também visto nos casos de Covid-19 em alguns países.

Cedo demais para afirmar. Reflexo disso foi a disparada de internações e mortes em alguns lugares, principalmente onde a cobertura vacinal em pessoas de mais idade era baixa, como Hong Kong, Alemanha e Áustria.

Há grande exercício dos estudiosos da evolução viral para tentar ver o que teremos a frente. Diferente dos produtores e roteiristas de filmes, é preciso se basear em dados sobre as modificações do vírus até agora e simular para qual lado novas ocorrerão.

Novas variantes virão, sempre buscando mais transmissibilidade, quer seja aumentando a quantidade de vírus nas vias respiratórias altas (nariz, garganta, pois aumentam a disseminação em um espirro, por exemplo), quer seja driblando as defesas construídas por vacinas ou mesmo por infecções por variantes que já circularam. Que preço os vírus irão cobrar em vidas humanas?

O futuro continua incerto.

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