Desde que cheguei a Chicago para uma curta temporada, me chamou a atenção a onipresença de uma mesma frase em janelas de casas e apartamentos, vitrines de lojas e paredes de cafés: Hate has no home here (Ódio não tem lugar aqui, em tradução livre do inglês).
A sentença aparece principalmente em cartazes, acompanhada da imagem da bandeira norte-americana em formato de coração, mas também em displays ou pintada à mão. Muitas vezes, é disposta em várias línguas. Trata-se de uma campanha que surgiu poucos dias após a eleição do presidente norte-americano Donald Trump, elaborada por um grupo de vizinhos na região norte de Chicago.
Diante da ascensão de expressões de ódio durante a campanha eleitoral, a comunidade de North Park se juntou para difundir uma mensagem de paz e tolerância pelo bairro, sinalizando os lugares onde todos seriam bem-vindos e nos quais não seriam aceitos discursos ou comportamentos agressivos contra quem quer que fosse.
Tudo para evitar que algum ódio plantado crie raízes. A frase foi sugerida por uma criança de nove anos (cuja identidade foi preservada por questões de segurança, segundo a associação de moradores) e disposta num cartaz criado pelo designer Steven Luce, morador do bairro. A campanha viralizou. Ganhou a cidade e muitas cidades do país. Chegou a lugares tão distantes quanto Suécia e Equador, Etiópia e Austrália por meio do download de cartazes disponibilizados na internet.
A iniciativa partiu do entendimento de que se por um lado é razoável discordar de uma pessoa de modo civilizado, não é razoável intimidar ou atacar alguém ou algum grupo pelo motivo que for: gênero, raça, etnia, religião, orientação sexual ou afiliação política.
São muitas as semelhanças entre o contexto em que surgiu a campanha "Hate has no home here" nos EUA e o Brasil que amanheceu na segunda-feira pós-eleição. Os discursos do agora presidente Jair Bolsonaro (PSL), antes e durante a campanha, criaram um ambiente favorável a manifestações abertas de ódio. Ainda assim, não foi Bolsonaro quem inventou a intolerância e a violência no país, que remontam aos tempos do Brasil Colônia. Ele a projetou e a acentuou, e os brasileiros se projetaram nele.
O fato é que assistimos, durante o segundo turno, a ameaças e ataques nas ruas de cunho machista, racista, homofóbico e político-partidário. E é difícil imaginar, no entanto, que os 57,7 milhões brasileiros que elegeram o ex-capitão do Exército sejam todos partidários da violência. Ou que antipetismo tenha se tornado antipetista, substituindo o embate de ideias pelo confronto verbal, físico ou simbólico.
É preciso dizer também que a lógica comumente difundida por setores da esquerda de "quem não está comigo, está contra mim" também não ajuda —é, também, intolerante. Será preciso que todos, entre "bolsominions, petralhas e isentões", se envolvam na recusa da intolerância, de onde quer que ela parta, para isolar aqueles que pregam o ódio e a violência.
O fato de Bolsonaro ter trocado o gesto que marcou sua campanha —em que simula uma arma de fogo com as mãos e atira— por um singelo joinha já em suas primeiras aparições como presidente eleito pode ser um bom começo.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.