Fernanda Torres

Atriz e roteirista, autora de “Fim” e “A Glória e Seu Cortejo de Horrores”.

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Fernanda Torres

Aleluia

A confiança em Deus de pouco adianta ao gestor público

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Invejo a fé de Marcelo Crivella.

Apesar dos deslizamentos de terra que já mataram duas pessoas e das pedras do tamanho de automóveis  que ameaçam se descolar do maciço morro do Vidigal, o prefeito do Rio de Janeiro não vê motivo para interditar a avenida Niemeyer.

E promete mover montanhas para reverter a decisão da juíza Mirela Erbisti, da 3ª Vara da Fazenda Pública, que acatou os pareceres do Ministério Público Estadual e da Sociedade de Engenharia de Segurança do Estado, ordenando o fechamento da via por prazo indeterminado.

Alagamentos, desmoronamentos, colapsos, mortes, nada abala Marcelo. É fé. Só pode ser. Dias antes do veredito da Justiça, ele garantiu que conteria as fissuras da rocha, removeria as casas com risco de desabamento e seguraria a encosta em tempo recorde, graças ao empenho de um séquito de anjos, arcanjos e querubins contratados pela prefeitura.

 
Ilustração
Marta Mello/Folhapress

Nem Ramsés 2º.

No dilúvio de abril, o prefeito admitiu ter demorado a agir. Talvez estivesse orando para aplacar a intempérie. Quando veio a público, disponibilizou 20 ungidos da Defesa Civil para dar conta de uma cidade inteira imersa no caos. Infelizmente, nenhum deles era Moisés.

E muito a contragosto decretou estado de emergência. 

É ou não é para admirar a crença desse homem?

Quem poderia prever que o terceiro colapso da ciclovia seria causado por uma força vinda de cima, e não de baixo ou dos lados? Quem tem o poder de agir sobre o destino e sobre a fatalidade? Só Deus, só Ele, Marcelo sabe disso.

Como se não bastasse a fé inabalável, esse político —político, não; esse pai que veio ao mundo para nos proteger— seduz pela graça. Em reunião pública, o prefeito declarou que vai trocar o nome da ciclovia de Tim Maia para Vasco da Gama, porque aquilo lá... VIVE CAINDO!!!! Ahahahaha! Eu agradeço aos céus, todos os dias, por tê-lo nos enviado.

O Rio não merece Marcelo Crivella. Fraco de espírito, falta ao carioca a crença inarredável de Jó. É fácil amar a Deus no paraíso que um dia foi a Guanabara. Quero ver louvá-lo agora, com Satanás à solta, agindo para nos testar.

Porque Satanás, é certo, anda disputando com o Senhor a primazia sobre as almas dos que aqui habitam. É a única explicação para a sucessão de desgraças, comparáveis às sete pragas do Egito, que se abateu sobre o balneário. Crivella é agente, é instrumento dessa disputa. Ele existe para nos fortalecer e nos libertar.

Livrai-nos da prisão da carne, Marcelo! Aqueles que creem, sigam pela Niemeyer, sucumbam aos pedregulhos e renasçam em Cristo!

Quando chegar o dia do Juízo Final, os que sobreviverem à lama, aos erros de cálculo de engenharia e à falta de investimento em saúde e infraestrutura, irão se reencontrar com os que já partiram, numa língua negra da Princesinha do Mar. Por tudo o que sofremos, obteremos o perdão e, juntos, ascenderemos aos céus.

Aleluia! Aleluia!

Esse é o mistério. O fim do mundo se aproxima, e o plano de poder é escatológico.

A Sodoma rediviva está pagando com juros pela remissão de seus pecados. A devassidão dos Carnavais, o topless de Ipanema, os baseados do Posto 9 e a luxúria da boate Le Boy; a nudez barriguda de Leila Diniz, os atabaques pagãos dos terreiros; Garotinho e Garotinha; Adriana e Cabral. Séculos de perdição testemunhados pelos olhos daquele que tudo vê.

A danação do Rio de Janeiro é um capítulo inédito do Antigo Testamento.

Reabram a avenida Niemeyer e armem o cidadão de bem. Fuzilem os pobres e rasguem o Código Florestal. Que Angra dos Reis seja a nova Cancún!

So shall it be written, so shall it be done.

Existe luz no fim do túnel, e não é o farol de outro trem, como afirmam os comunistas ateus da sanha ideológica. O Estado laico acabou. Conheça a verdade e ela irá vos libertar.

Respeito, e muito, as inúmeras religiões do planeta, elas nos servem de guia desde o tempo das cavernas. O papa Francisco é um exemplo e tanto do seu bom uso. Mas a confiança no Ser Eterno, Crivella está aí para provar, de pouco adianta ao gestor público.

Deus nas alturas, mas a paz na Terra cabe aos homens de boa vontade.

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