Filipe Oliveira

Na Folha desde 2011, Filipe Oliveira é repórter de Mercado e assina o blog Haja Vista. É graduado em música e tem deficiência visual

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Filipe Oliveira
Descrição de chapéu Tóquio 2020

Como seria uma tabela de Neymar e Messi de olhos vendados?

Paralimpíadas mostram possibilidade de inventar formas de fazer mais gente participar

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Há algum motivo para você provavelmente nunca ter fechado os olhos para jogar o futebol de cinco, a versão adaptada do esporte que será disputada por pessoas com deficiência visual nas Paralimpíadas?

Consegue se imaginar de olhos vendados, ao lado de dois companheiros de time numa quadra de goalball?

No jogo, criado para quem tem deficiência visual, é preciso direcionar uma bola com guizos de um lado da quadra até o gol adversário, na outra extremidade dela, rolando ou quicando.

Além disso, é necessário aguçar os ouvidos para defender os ataques adversários. Vale usar braços, pernas, tronco e até cabeça. Por vezes, colegas de time dão boas trombadas, contou-me uma atleta calejada.

Uma das coisas mais interessantes nas Paralimpíadas é que elas mostram a possibilidade de inventar novas formas de fazer o que conhecemos para dar espaço para mais gente participar.

Se não vou realizar o desejo de ver uma tabela de Neymar e Messi de olhos fechados, que tal usarmos a inventividade ensinada pelos jogos no nosso dia a dia? - Gao Jing - 19.aug.21/Xinhua

Porém, quando esses novos esportes só são jogados por uma elite de atletas de um grupo de quem tem determinada deficiência, estamos deixando de aproveitar invenções que poderiam ensinar a todos.

O que será que aconteceria se existisse uma competição em que jogadores cegos e com visão estivessem lado a lado, sob as mesmas condições?

Será que descobriríamos que o jogador com deficiência visual tem uma vantagem enorme, porque está mais habituado a se orientar pelos sons ou a sentir as marcações no piso da quadra com os pés?

Ou então a conclusão seria a de que alguns meses de treino de olhos vendados seriam suficientes para que os jogadores que enxergam desenvolvessem novas habilidades e tivessem oportunidade de se destacar?

Será que um jogador que tenha treinado dribles e passes de olhos vendados não pode, inclusive, melhorar seu rendimento quando joga usando a visão? Dominar a bola e correr sem precisar olhar para ela, afinal, é uma das habilidades dos craques.

E se houvesse de fato essa integração, será que poderíamos ter um esporte olímpico que pudesse ser jogado por pessoas com ou sem deficiência?

Provavelmente não chegaremos a experimentos tão radicais e ficarei com as minhas interrogações.

Mas, se não vou realizar o desejo de ver uma tabela de Neymar e Messi de olhos fechados, que tal usarmos a inventividade ensinada pelos jogos no nosso dia a dia?

Professores, por exemplo, poderiam aproveitar o espírito paralímpico para propor atividades baseadas no que veremos nas próximas semanas.

Talvez colocar a criançada correndo de olhos vendados e se trombando seja um pouco radical para começar. Mas uma caminhada em volta da quadra em duplas, um colega com olho vendado e o outro guiando, como acontece no atletismo para cegos, seria um bom aquecimento. Depois um deles poderia se distanciar e fazer um som para que o outro o localizasse. A seguir, quem sabe um jogo de futebol em que seja proibido tirar os dois pés do chão ao mesmo tempo, para que ninguém ultrapasse um limite de velocidade que comprometa a segurança de todos?

Meu palpite é que primeiro os meninos e meninas dariam um riso nervoso, pelo susto de mergulhar no escuro. Depois de poucos minutos, porém, estariam tão imersos na disputa que nem perceberiam que se trata de uma atividade pedagógica. Ao fim, teriam aprendido que a pessoa com alguma deficiência pode precisar de uma ou outra ajuda ou adaptação, mas é capaz de se divertir muito.

E, confesso, tenho esperança de que, caso a moda pegue, ainda haja uma chance de eu me tornar o craque do time.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.