Flávia Boggio

Roteirista. Escreve para programas e séries da Rede Globo.

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Flávia Boggio
Descrição de chapéu
maternidade

Em vez de ir à balada, dançamos Adriana Partimpim como nunca

Ser mãe de gêmeos matou meu cinismo com festas infantis, que não passavam de um aglomerado de crianças barulhentas

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O isolamento na pandemia nos deixou sedentos por qualquer evento que junte mais de dez pessoas. Ficar no meio de multidões que, para muitos, era um pesadelo, passou a ser um desejo pornográfico. Alguns começaram até a ter fantasias secretas de estar no meio de uma micareta a 40 graus. Arrumar briga em um inferninho com DJ ruim e vodca batizada virou um novo desejo erótico.

Aconteceu algo semelhante comigo, mas com festas infantis. No meu cinismo de adulta sem filhos, achava que esse tipo de evento não passava de um aglomerado de crianças barulhentas, correndo, futucando o dedo no bolo, doidonas de açúcar, batendo no animador da festa fantasiado de Homem-Aranha.

Qualquer conversa que tentava manter com um adulto era interrompida por um “desce daí, Luquinha!”. Tudo ao som de Adriana Partimpim, uma versão infantil de “Devolva-me”, o que tornava, ao meu ver, tudo mais deprimente.

Mas o universo é justo e se vingou do meu azedume me jogando dois filhos gêmeos no colo. Meu destino era inevitável.

Por terem nascido no início da pandemia, os meninos passaram suas curtas vidinhas relativamente isolados. Nunca tinham visto um grupo com mais de quatro crianças, muito menos bolo, bexigas
e brigadeiros.

Após as duas vacinas dos pais e um leve relaxamento da quarentena, recebemos o primeiro convite para o aniversário dos filhos de uma amiga.

Ilustração representando crianças e adultos sorrindo em meio a balões de festa
Publicada em 20 de outubro de 2021 - Galvão Bertazzi

Chegamos ao aniversário com os meninos escondidos entre as minhas pernas, tímidos. Aos poucos, foram explorando o local. Em pouco tempo, estavam correndo, gritando, futucando o bolo com o dedo.

Tentava conversar com as pessoas, mas interrompia: “Felipe, cuidado para não cair”. “Gabriel, não bate no Homem-Aranha”.

Ficaram, pela primeira vez, doidões de açúcar. Uma versão bebê do filme “O Exorcista”. Felipe rolou da escada e sangrou a boca. Gabriel fez guerra de folhas secas. Descobrimos que tinha cocô de cachorro nas folhas secas. Virou uma versão bebê e fedorenta de “O Exorcista”. Dançamos Adriana Partimpim como se não houvesse amanhã.

Voltamos para casa, um sangrando, outro lambuzado de brigadeiro e fedendo a cocô. Todos felizes por nosso primeiro programa juntos. O primeiro da curta vidinha deles. O nosso primeiro estandarte do sanatório geral. Vai passar.

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