Flávia Boggio

Roteirista. Escreve para programas e séries da Rede Globo.

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Flávia Boggio
Descrição de chapéu maternidade

O desfralde é um grande filme de terror com toques cruéis de pastiche

Eu imaginava que a maternidade era difícil, mas não a ponto de mergulhar no tapete para pegar um cocô no ar com as mãos

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Há três anos, comecei a viver a grande aventura da maternidade. Já sabia que seria difícil, mas não imaginava que cuidar de um filho era como jogar videogame. A cada fase superada, vem outra mais difícil.

Depois da amamentação, as cólicas, as trocas de fralda, o puerpério, a despersonificação, a privação de sono, chegou a etapa mais escatológica da vida dos pais: o desfralde.

No desfralde, os cuidadores vivem um filme de terror trash, com toques de comédia pastiche (neste caso, um pouco mais pastoso). Se as crianças entram na fase anal, são os pais quem vivem ela intensamente.

Por ser mãe de gêmeos, estava enrolando para encarar esse estágio. Quando descobri que todos os colegas já tinham desfraldado, enfim tomei vergonha na cara.

Peguei um final de semana e disse: "Pessoal, vamos levar o xixi e o cocô para nadar na privada?" Comprei cuecas, calças extras e encarei esse chamado para a aventura.

As primeiras horas foram tranquilas, com eles animados com minha narrativa lúdica barata. Até que um deles, distraído, caiu dentro do vaso e, traumatizado, resolveu boicotar o apetrecho sanitário.

Na ilustração de Galvão Bertazzi temos uma criança no centro do desenho feliz por ter feito muito cocô, mas muito cocô mesmo. Ele e sua mãe com cara de assustada estão com as pernas enterradas numa montanha de cocô que se espalha por todos os cantos da ilustração
Ilustração de Galvão Bertazzi para coluna de Flavia Boggio, 12.jul.2023 - Folhapress

O ritual era sempre o mesmo. Ele tirava as calças e fazia seus trabalhos no chão, no jardim, no banho ou em qualquer lugar que não fosse na privada.

Uma vez, reparei que o menino estava sem as calças, mas não achei a cena do crime. Percebi que meu marido tinha pisado e espalhado por todos os cômodos da casa.

Na outra, vi a criança assistindo à televisão, sem as calças. Olhei ao redor, nada. Entendi a razão. O produto ainda estava sendo manufaturado (ou seria "bundafurado"?).

Eu imaginava que a maternidade seria difícil. Mas não a ponto de ter que mergulhar no tapete e, como uma jogadora de basebol, pegar um cocô no ar com as mãos.

A última foi mais traumática para meu filho. Estávamos em uma brinquedoteca, quando uma senhora gritou: "Quem é a mãe dessa criança?" Estava lá, meu filho e sua obra de arte, observados por outras crianças.

Achei que fui precipitada, não respeitei o tempo dele, pensei até em voltar com as fraldas. Até que ontem, como quem não quer nada, ele apareceu animado e disse: "Mamãe, levei meu cocô para a aula de natação de cocôs". Ele fez na privada.

Aos pais que encaram a mesma aventura, dou aquele velho conselho: vai passar.

Até começar a próxima fase.

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