Giovana Madalosso

Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

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Giovana Madalosso

A criança vai embora

Às vezes me recuso a acreditar que você está crescendo

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É festa de aniversário, mas parece de despedida. Estou aqui enchendo seus balões e pensando naquele primeiro pelo que despontou na pele lisa do seu sovaco, como um mensageiro avisando que o batalhão de hormônios se aproxima e a vitória do tempo será massacrante.

Nesse dia, depois que você foi dormir, pensei em levantar, na frente do seu quarto, um forte feito de Legos, onde bonecas e dinossauros se revezariam fazendo a guarda, o parrudo Bob Esponja pedindo aos seus amigos os documentos: aqui só entra quem acredita em coelho da Páscoa e ainda não quer ser youtuber.

Ah, que saudade da menina que adorava a Carne Miranda. Que anunciava a todos que não era canhota, era pedestra. Que um dia me perguntou quais eram as cores primatas. Que outro dia pegou uma fita métrica, enrolou no meu braço, olhou os números e decretou: agora são dez e meia.

Às vezes me recuso a acreditar que você está crescendo. Acho que a culpa é das roupas, que insistem em escalar canela acima, que teimam em se afastar do seu pulso, que não se furtam em ir mostrando cada vez mais a sua barriga.

À frente, um relógio do tipo despertador; ao fundo, uma criança dorme
Esses dias sonhei que você tinha virado adulto e eu chorava por me sentir sozinha - kwanchaichaiudom/stock.adobe.com

Esses dias sonhei que você tinha virado adulto e eu chorava por me sentir sozinha. Não é triste perder a única companhia que topa tudo sem questionar a qualidade dos programas?

Quem mais irá comigo a uma clínica de exames às sete da manhã fascinada com a máquina de senhas, mal podendo esperar pelo incrível momento em que receberemos de cortesia uma unidade de biscoito?

Sentirei falta de quando bastava um chocolate sublingual para te fazer feliz. De quando a pior coisa que poderia acontecer era você tomar um porre de refrigerante, ficar doidona de açúcar e dar perda total numa boneca.

Agora são dois os algarismos da vela. Será que se cantarmos ao contrário: "cêvo rapa snebarap!" a idade pode retroceder, indo dos 11 aos 10 e assim por diante, até você voltar a ser um feto sem cecê na minha barriga?

Não sou de fazer festa mas esse ano contratei até um recreador para ver se ele anima esse grupo de brotos mamários com um pique esconde. Comprei até uma pinhata para ver se você volta a sacudir os braços de excitação.

A técnica funciona: na hora de bater na pinhata, você abre a boca em direção ao teto, pula na ponta dos pés.

Percebo que não preciso me desesperar: a criança vai, mas volta. Ainda que o corpo envelheça, voltará sempre. Assim como a minha criança, que de repente também aparece, e me leva a disputar com a sua as balas que agora caem sobre as nossas cabeças.

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