Giovana Madalosso

Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

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Como lidar com uma tentativa de estupro?

Muitas vezes, as vítimas nem vocabulário têm para explicar a violência a que foram submetidas

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Giovana Madalosso

Aos 15 anos, uma garota chamada Nina cai em uma arapuca. É levada por uma colega de 18 anos até seu apartamento, onde, sem que soubesse, um homem de cabelos grisalhos com um pentagrama no pescoço espera por elas dentro do quarto. Depois que as duas entram no pequeno ambiente, mobiliado com uma cama e uma mesinha, a garota mais velha inventa que precisa sair para comprar alguma coisa.

Rapidamente a porta é trancada. Nina fica sozinha com o desconhecido, que pede a ela que se sente ao seu lado na cama. Na frente do lugar apontado por ele, Nina vê uma câmera, a luz vermelha piscando. Nesse momento, ainda que não entenda muito bem o que está acontecendo, pressente que está em perigo.

Página da HQ 'Bezimena' (ed. Zarabatana)
Página da HQ 'Bezimena' (ed. Zarabatana) - Divulgação

O homem lhe faz algumas perguntas. Depois agarra seus seios e se aproxima para um beijo. Nina consegue se desvencilhar e se lançar em direção à porta. Como a gravação poderia mostrar, os dois começam a lutar –ela tentando chegar até o trinco, ele empurrando-a de volta para a cama. Uma voz interior, daquelas que surgem em momentos de perigo, dotadas de surpreendente sabedoria, sugere que Nina grite: "você não passa de um velho impotente que precisa estuprar crianças". Ela faz isso. Desconcertado ou preocupado com os vizinhos, o homem destranca a porta e manda Nina ir embora.

O nome completo da garota que sai correndo deste quarto é Nina Bunjevac. E esse episódio, infelizmente realíssimo, é contado no posfácio de "Bezimena", uma história em quadrinhos assinada por essa artista sérvia.

O fato se deu no outro hemisfério, mas o drama é universal. Como o posfácio também explica, "Bezimena" —na língua eslava "aquela que não tem nome"—, tenta dar conta do trauma que a artista carrega até hoje e da culpa por não ter compartilhado amplamente o episódio na época e alertado outras garotas que cairiam na mesma armadilha, com desfecho ainda pior: estupro consumado e registrado em vídeo por aquele mesmo homem.

No livro "Abuso: A Cultura do Estupro no Brasil", a jornalista Ana Paula Araújo comenta que "o impedimento maior para a punição dos estupradores está nas emoções das vítimas. Sufocadas pela vergonha, pela culpa e pelo nojo, a maioria decide nunca contar nada." E obviamente, não as culpa por isso: "Não é fraqueza, é autoproteção".

A história em quadrinhos é perturbadora, à medida que tenta entender o que vai na mente do estuprador, provavelmente uma tentativa da artista em explicar aquilo que nunca poderá ser totalmente explicado. E nem sequer sepultado: já adulta, Nina Bunjevac passaria por outra tentativa de estupro, dessa vez pelas mãos de um homem de sua confiança.

Dotada de um talento enorme, também visível nas suas outras obras, como o excelente "Terra Pátria", a quadrinista tem a caneta a seu favor como chance de elaboração do trauma. A maioria esmagadora das outras vítimas de estupro não têm essa ferramenta. E, muitas vezes, nem vocabulário para explicar a violência a que foram submetidas —no Brasil, 6 em cada 10 casos de estupro registrados são contra meninas de até 13 anos.

Por isso é tão importante falar abertamente sobre o assunto e orientar desde cedo as garotas sobre o mundo patriarcal e cruel em que estão inseridas: um terço das mulheres será vítima de violência sexual ou física ao longo da vida.

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