Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier

Não mostre a uma criança nada que você não queira ouvir por 70 horas

Existe um filão de produtos audiovisuais feitos para viciar pequenos ao mesmo tempo em que causam pânico em adultos

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Atenção, pais neófitos! A dica que estou prestes a dar vocês não vão encontrar nos manuais de paternidade: nunca apresente nada pra sua criança que você não esteja pronto pra escutar por 70 horas seguidas.

Tem pais que reclamam: "Meu filho se viciou em Patati Patatá", como se a dupla de palhaços entrasse janela adentro da criançada. Quem foi que trouxe à tona o material tóxico? Por acaso seu filho conheceu na balada? Um amigo mandou pra ele por Whats? "Não, fui eu que apresentei", diz o pai, "mas era pra ser uma vez só".

Nada com criança é uma vez só. Tudo o que uma criança gosta ela vai querer cantar pra sempre, como o Suplicy com a canção "Blowin' in the Wind".

O clipe "Upa, Cavalinho", da Galinha Pintadinha, tem 1,5 bilhão de visualizações no YouTube. Isso não significa que um quarto da população mundial assistiu ao vídeo, mas que uma dúzia de famílias assistiu ao vídeo cerca de 100 milhões de vezes.

Colagem com a foto de uma pessoa vestindo um chapéu em formato de tubarão na frente de um microfone
Catarina Bessel/Folhapress

Aquilo pode até alegrar a criançada, mas acaba com nossa vontade de viver: Galinha Pintadinha é uma espécie de luz branca piscando em forma de música. E existem drogas infinitamente mais pesadas que a galinha.

Existe todo um filão de produtos audiovisuais que foram feitos pra viciar criança ao mesmo tempo em que causam síndrome do pânico nos adultos. Acredito que "Baby Shark" foi composta pela Roche pra vender Rivotril. Deve ter algum índice que relacione o aumento da taxa de depressão entre adultos à multiplicação de canais infantis na TV a cabo.

É preciso aproveitar enquanto você consegue mediar o acesso do seu filho ao mundo. Por isso repito, como um teletubby: não mostre nada a sua prole que você não esteja disposto a ver pra sempre, ad nauseam, à exaustão, até depois do fim do mundo, no repeat.

Minha filha e meus sobrinhos amam o filme "Mogli" —mais especificamente a cena do batalhão de elefantes. Parecia inocente, quando eu mostrei.

Acontece que faz cerca de seis meses que eles cantam, em looping: "Esse nosso batalhão/ é uma instituição/ é um batalhão que tem tradição/ é uma instituição".

Queria só mostrar um filme da minha infância, mas eis que me deparo com pequenos amantes da disciplina militar, analfabetos, repetitivos, fazendo cocô pela casa inteira: estou com medo de, qualquer dia, algum deles assumir um ministério nesse governo.

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