Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier
Descrição de chapéu

O amigo pessoal e o seu contrário, o amigo coletivo

Categoria difere do colega ou do conhecido, que curiosamente é como chamamos quem não conhecemos muito bem

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Você já deve ter ouvido a expressão, em geral na negativa. "Conheço o fulano, mas não é meu amigo pessoal." Gosto dessa categoria tão brasileira. Não consigo imaginar a expressão em outras línguas. A busca por "personal friend" no Google revela um serviço de aluguel de amigos. Curiosamente "amigo pessoal" em inglês é amigo profissional.

No Brasil, a categoria confunde porque pressupõe que existam outros tipos de amigo. Parece que dá para contrair amizade sem passar pela pessoa física. "O fulano é meu amigo espiritual. Beltrano? Meu amigo jurídico."

Ilustração que representa um mar azul no qual se encontra a superfície de um carro, em cima do qual estão três três pessoas abraçadas e viradas de costas, olhando o pôr do sol
Ilustração publicada em 12 de abril - Catarina Bessell

O conceito, no entanto, faz sentido. Nem todo amigo tem uma relação individual com você. Alguns amigos da vida toda nunca ficaram no mano a mano. Todo o mundo tem amigos pessoais e tem amigos coletivos. O fenômeno acontece quando relação não é direta, intransferível, mas mediada por uma turma.

Atenção: o amigo coletivo difere do colega ou do "conhecido", que curiosamente é como chamamos aquele que não conhecemos muito bem. Difere mais ainda do semiconhecido, aquele que conhecemos menos ainda. Existe uma hierarquia: o semiconhecido está abaixo do conhecido, que vem logo abaixo do colega, que vem antes do amigo coletivo, que precede o amigo pessoal.

Do conhecido você sabe o nome, do amigo coletivo você sabe o signo, do amigo pessoal você conhece o funcionamento do intestino. Você sabe o bairro onde o conhecido mora, do amigo coletivo você sabe a rua —do amigo pessoal você sabe o prédio, o apartamento e a senha do wifi— quando não sabe, adivinha.

Puristas da amizade dirão que amigos não pessoais não podem ser chamados de amigos. Discordo. O amigo grupal tem, sim, seu valor. Diverte, preenche, entretém. E o mais importante: é dele que pode nascer, um belo dia, quando menos se espera, o amigo pessoal.

Basta chover um pouco mais. E vocês ficarem ilhados no escritório. Ou basta um porre, uma viagem, um acidente, um pneu furado. O que separa um amigo coletivo de um amigo pessoal, muitas vezes, é um perrengue. Mas pode ser uma carona —de preferência daquelas demoradas, na hora do rush. Se cair um temporal, melhor ainda. Entre um silêncio e outro, você vai abrir uma chaga, e ele vai compartilhar uma memória, você vai rebater com uma esperança, ele vai contar um segredo. Pronto. Ali, na avenida Brasil alagada, sob o abrigo de um palio weekend, o amigo pessoal acaba de nascer.

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