Guilherme Boulos

Professor, militante do MTST e do PSOL. Foi candidato à Presidência da República e à Prefeitura de São Paulo.

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Autonomia do BC institucionaliza entrega do galinheiro na mão das raposas

Alegação é blindar a instituição da 'influência política'; mas quem blinda a entidade monetária da influência do mercado?

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O atentado mais grave do governo Bolsonaro contra a economia brasileira foi aprovado na semana passada pelo Congresso. Arthur Lira (PP-AL) passou a boiada da autonomia do Banco Central, sem discussão com a sociedade, em meio ao caos da pandemia. Ilustração perfeita do casamento entre autoritarismo e neoliberalismo que dá as cartas no país, um novo case da "doutrina do choque" de Naomi Klein.

A captura do BC pelas indicações do mercado não é novidade. O atual presidente, Roberto Campos Neto, veio diretamente dos quadros do Santander. Seu antecessor, Ilan Goldfajn, era economista-chefe do Itaú. E alguns dos mais notórios ocupantes do cargo em governos anteriores tiveram a mesma origem, como Henrique Meirelles (Bank Boston) e Arminio Fraga (Soros Fund Management).

Não é só origem, mas destino. Presidentes e diretores da instituição quase sempre voltam ao mercado passada sua estadia no BC. Goldfajn, por exemplo, tornou-se presidente do conselho do Credit Suisse pouco após deixar o cargo. É a chamada porta giratória. O que há de mal nisso? Bem, imaginem alguém, em qualquer área, com a função de fiscalizar seus ex-chefes e futuros chefes. Teria alguma isenção para contrariar interesses em nome do que é melhor para o país ou para o povo?

A autonomia do BC institucionaliza essa entrega do galinheiro na mão das raposas. O projeto aprovado, na prática, permite ao BC definir instrumentos da política monetária sem sintonia com as decisões macroeconômicas de governo, em particular nos dois primeiros anos do mandato presidencial. O comandante do BC terá mandato fixo de quatro anos, encerrando-se sempre no meio de mandato do presidente da República. Ou seja, um governo eleito pelo povo terá de conviver por dois anos com uma linha de condução do BC eventualmente contrária à sua política. Uma tutela da democracia pelos bancos.

A alegação é blindar a instituição da "influência política". Mas quem blinda o BC da influência do mercado? E, à maneira dos crimes perfeitos, a medida foi aprovada numa operação casada com o PL do Câmbio, que transfere poderes do CMN (Conselho Monetário Nacional) para o BC na autorização de contas em dólar no país. O economista Pedro Rossi alertou para o risco embutido de um caminho de dolarização da economia, que pode ser vantajosa para alguns investidores, mas devastador para a soberania nacional.

É tradição dizer que, se não fosse o Carnaval, com sua vocação igualitária, que permite ao povo sofrido extravasar e afogar suas mágoas, já teríamos vivido muitas revoltas populares no Brasil. Neste ano não teremos Carnaval. Não sei se teremos revolta. Mas motivos certamente não faltam.

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