Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Descrição de chapéu Gal Costa

Lúcia Veríssimo, que já beijou Cássia Kis, foge aos estereótipos do sertanejo

Atriz, que foi duas vezes capa da Playboy, sempre defendeu a liberdade sexual e declarou voto em Lula nestas eleições

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Recentemente uma sertaneja reapareceu com importante posicionamento contra o obscurantismo. Lúcia Veríssimo publicou no Instagram uma foto em que beija a atriz Cássia Kis na boca, em resposta aos posicionamentos retrógrados da atriz. No entanto, poucos se lembraram do histórico sertanejo de Lúcia.

A polêmica começou pois Cássia teria sido homofóbica em recente entrevista à jornalista Leda Nagle. "Não existe mais o homem e a mulher, mas a mulher com mulher e homem com homem. Essa ideologia de gênero que está nas escolas quer destruir a família", afirmou a atriz.

Diante da agressividade de Cássia, a também atriz Lúcia Veríssimo escreveu: "Meu #tbt de hoje vai ser em homenagem à Cássia Kis. Que sigamos sem hipocrisia e falso moralismo. Sim, foi de verdade esse beijo".

Lúcia Veríssimo em 'Rensga Hits', nova série do GloboPlay
Lúcia Veríssimo em 'Rensga Hits', nova série do Globoplay - Divulgação

Lúcia Veríssimo reapareceu recentemente para o grande público ao fazer uma participação em "Rensga Hits", do Globoplay, uma série sobre a música sertaneja. Atriz bem conhecida nos anos 1980 e 1990, ela sumiu da televisão nos últimos anos. Sua última novela foi "Amor à Vida" em 2013, na Globo.

Poucos se lembram, mas Lúcia foi importante nome dos bastidores da música sertaneja quando montou sua grife de roupas LV Western em dezembro de 1988. A ideia de criar a marca surgiu quando ela participou de um evento de criação de cavalos da raça quarto de milha e se empolgou com as possibilidades do mercado sertanejo em ascensão.

A atriz montou duas lojas na cidade de São Paulo e arredores, uma na rua Bela Cintra e outra em Alphaville, na Grande São Paulo, lugares ricos da capital paulista. O negócio se expandiu e Lúcia chegou a ter 42 lojas espalhadas pelo Brasil, a maioria em sistema de franquia.

O amor pelo sertanejo não era algo que vinha do berço. Filha de Severino Filho, cantor do conjunto Os Cariocas, ela era amiga íntima da família Jobim e sempre esteve próxima dos ídolos da MPB. Mas Lúcia tinha um gosto musical variado.

"Sou filha de um músico extremamente criterioso e que desenvolveu em mim um refinado gosto musical. E a música sertaneja me pega pelo coração", disse Lúcia Veríssimo em entrevista para o livro que escrevi sobre música sertaneja. "No final dos anos 1980 conheci Chitãozinho e Xororó, que me foram apresentados por Lima Duarte. Nos tornamos grandes amigos. Amigos mesmo, de frequentar casa, viajar juntos, conviver com a família, e me tornei fã deles. Era uma música sertaneja de qualidade", contou-me Lúcia.

Lúcia ficou tão associada ao mundo sertanejo que em 1992 ela interpretou o papel de uma rainha da soja na novela "Despedida de Solteiro", da Globo. Na capa da trilha sonora da novela, a personagem de Lúcia, a sertaneja Flávia, que andava a cavalo com frequência na trama, aparecia vestida com botas de caubói.

Muito requisitada no mercado publicitário, naquela década Lúcia também foi garota-propaganda dos óculos Ray-Ban, que lançou o modelo Rodeo sob o slogan de "um estilo country de ser". Integrada à música sertaneja da época, em 1994 ela lançou um disco country intitulado "Western".

A marca da atriz, a LV Western, vestia do cavalo ao cavaleiro —ou amazona—, incluindo sua casa. Em 1996 Lúcia Veríssimo criou a marca Flor de Cactus, ampliando a moda sertaneja para a casa. No total suas marcas vendiam mais de 500 produtos entre selas, botas, cintos, tapetes, sofás, camisas, camisetas, calças, casacos de couro, bonés, bacheiros, abajures, meias, cintos, fivelas, chapéus, freios, bridões, rédeas, joias, anéis, abotoaduras, brincos, relógios, xícaras, canecas, jogos americanos et cetera. Segundo Lúcia Veríssimo, para além de produtos, sua marca vendia um "estilo de vida".

Lúcia é uma mulher que foge aos estereótipos do que se espera de uma sertaneja. Vegetariana, ela apoia a campanha Segunda Sem Carne, que se propõe a conscientizar as pessoas sobre os impactos de produtos de origem animal, o que condiz com seu histórico político. Em 1982 ela participou de conversas para criação do Partido Verde junto com Fernando Gabeira. Carioca do Leblon, Lúcia é rubro-negra. Nesta eleição de 2022 declarou voto em Lula e lutou para trazer o agronegócio para longe do bolsonarismo ensandecido.

Moderna, Lúcia sempre defendeu a liberdade sexual no sentido lato. Ela já teve vários relacionamentos homossexuais, o mais famoso deles com a cantora Gal Costa, morta nesta semana. Símbolo sexual na época em que posar na Playboy era visto como sinônimo de liberdade, Lúcia foi capa duas vezes da famosa revista, em 1983 e 1988.

Definitivamente Lúcia Veríssimo não cabe no estereótipo da mulher sertaneja. Sua curiosa trajetória ilustra bem que a identidade sertaneja pode ser mais múltipla e diversa do que supõem os enquadradores da tradicional família musical brasileira.

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