Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Por que sertanejos como Gusttavo Lima e Leonardo apoiam Jair Bolsonaro

Vai ser difícil mudar o Brasil sem resolver o ressentimento cultural dos músicos do gênero, que se sentem desprezados

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Na última segunda-feira, 17 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro publicou um vídeo em suas redes sociais no qual selou, em pleno Palácio da Alvorada, o apoio de grandes nomes da música sertaneja à sua candidatura. Estiveram presentes pesos-pesados como Gusttavo Lima, Leonardo, Chitãozinho, Zezé Di Camargo entre outros. Chamou a atenção a ausência de Xororó, Luciano e de todas as meninas do feminejo. E por onde anda Sérgio Reis, que pediu o fechamento do STF há alguns meses?

Diante de toda a imprensa, Gusttavo Lima e Leonardo espalharam fake news. Gusttavo deu a entender que apenas Bolsonaro se preocupa com o agro, como se este setor não tivesse lucrado muito durante os governos do PT, a despeito de interesses mais genuínos da própria esquerda. Leonardo disseminou a falsa notícia de que um futuro governo petista fechará igrejas.

O presidente Jair Bolsonaro durante coletiva de imprensa para anunciar o apoio de cantores sertanejos à reeleição do presidente - Pedro Ladeira/Folhapress

Para superar o nível rastaquera do debate de segundo turno, permeado de desinformação, é preciso ir além e enxergar o que está sendo dito de fato pelos sertanejos, às vezes até de forma inconsciente. Aí não há fake news.

Muito sintomática foi a forma como Gusttavo Lima abriu sua fala: "A gente que veio do interior nunca imaginou que pudesse estar ao lado do presidente e ele receber a gente tão bem assim! É sobre isso!".

Por sua vez, Leonardo disse: "É um prazer estar aqui ao lado do presidente Jair Messias Bolsonaro. Eu tenho muito orgulho de estar junto desde o começo da campanha a presidente da República, nesta reeleição. E quero dizer que eu sou um cara que nasci em Goianápolis, perto de Anápolis, uma cidade pequena, mas de gente decente, gente trabalhadora. Até os meus 20 anos de idade fui plantador de tomate e tenho muito orgulho disso".

Chama a atenção que o tom usado pelos sertanejos seja o mesmo de outros momentos históricos. Como já foi mostrado aqui nesta coluna, os sertanejos ficaram muito marcados pelo apoio a Fernando Collor em 1992, quando este estava à beira do impeachment.

Ao justificar a visita entusiasmada que fez ao presidente Collor, Zezé disse no programa Roda Viva, em 2002: "Existia, e existe até hoje, um preconceito muito grande em cima da música sertaneja. E você vê um presidente falar que gostava de música sertaneja! Aquilo pra nós, artistas sertanejos, que nos sentíamos diminuídos por grande parte da imprensa e da crítica, onde não tínhamos espaço. Aquilo pra nós foi uma glória, saber que o presidente da República, o maior mandatário da nação, gostava de música sertaneja, que fazia suas festas regadas a música sertaneja!".

O que se vê de semelhante nesses discursos, oriundos de momentos históricos bem distintos, é um certo ressentimento cultural. Os sertanejos se sentem ignorados e desprezados pelo panteão da cultura nacional.

No entanto, a música sertaneja é vitoriosa. Os sertanejos conseguiram, além de ser um produto altamente rentável, construir seu próprio cânone e legitimidade ao serem aceitos por boa parte da sociedade brasileira num longo processo histórico.

A cereja do bolo aconteceu em 2012, quando houve o sucesso internacional de "Ai Se eu te Pego", fenômeno só comparável à repercussão de "Garota de Ipanema", 50 anos antes. Na Copa de 2018, a canção "Evidências", sucesso de Chitãozinho & Xororó, foi considerada o "hino informal" dos brasileiros na Rússia, de tantas vezes que foi cantada pela torcida canarinho.

Os sertanejos conquistaram quase tudo. Mas ainda há a dificuldade de serem aceitos pelos formadores de opinião cosmopolitas, pelas classes médias de Rio e São Paulo, e sobretudo pelos estratos à esquerda do espectro político.

A acusação de "gado" para desqualificar os simpatizantes do presidente diz mais sobre os acusadores do que seu alvo. Diz que ainda temos dificuldade de dialogar com a música sertaneja. E sobretudo diz que nós, democratas, ficamos surdos a esse ressentimento, preferindo bater eternamente na tecla das fake news ou do fascismo para explicar a ascensão bolsonarista. Mas as pessoas não votam no presidente porque ele mente ou porque é fascista. Votam porque ele "nos reconhece".

Não custa lembrar que os sertanejos já estiveram ao lado de Lula quando o PT os reconheceu. Em 2002 Zezé Di Camargo & Luciano cantaram o jingle da campanha vitoriosa de Lula e apoiaram sua sucessora Dilma até 2014. De lá pra cá tudo mudou.

Dificilmente mudaremos o Brasil sem seduzir os músicos sertanejos para um lado mais razoável. E isso envolve a autocrítica dos democratas por tudo o que fizemos e, especialmente, pelo que deixamos de fazer nas últimas décadas. Relegar a música sertaneja à escória da identidade musical nacional gerou ressentimentos maiores do que qualquer racionalidade pode lidar.

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