Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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De Leonardo a Chitãozinho, rixas políticas de família se refletem nos sertanejos

O que acontece no gênero retrata o que se passa no Brasil para além das bolhas da MPB

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A apertada eleição de segundo turno entre Lula e Bolsonaro mostrou um país dividido. Mais do que se dividir em classes ou regiões, o Brasil rachou no interior das famílias. Com a música sertaneja não foi diferente.

Quando Bolsonaro recebeu os sertanejos Leonardo, Chitãozinho, Gusttavo Lima, Sula Miranda, Zezé Di Camargo e Fernando Zor no Palácio da Alvorada em 18 de outubro, esperava ter o apoio integral da música sertaneja à sua reeleição. No entanto, não foi isso o que aconteceu.

Cantor e ator João Guilherme com o pai Leonardo - Instagram/joaoguilherme

Chamou a atenção a óbvia ausência de Xororó e Luciano. E logo começaram a pipocar indícios de que até as duplas estavam divididas. Em setembro, numa entrevista a este jornal, Chitãozinho e Xororó disseram que não tomariam lado nas eleições.

Xororó havia se manifestado contrário a governos autoritários. "O voto está aí, com a democracia. Vamos continuar assim porque a gente sabe que do outro jeito não foi legal. Pegamos o finalzinho [da ditadura], a gente era criança ainda, mas eu me lembro muito bem que era bem mais difícil. A gente tem que se juntar. A democracia é isso", disse Xororó. Quem mudou de opinião foi Chitãozinho.

Um dos primeiros a se manifestar foi Júnior, filho de Xororó e sobrinho de Chitãozinho, que escreveu em suas redes sociais: "Estudos apontam: toda família tem um tiozão do zap. Sou contra o governo atual e escolho um caminho diferente do que vi nos últimos quatro anos".

O filho de Leonardo, João Guilherme, também se manifestou: "Hoje estou triste. Sei bem a influência do meu pai, ele é gigante, querido por tantos… Mas joga no time errado e está cego. Ver alguém tão importante para mim declarar apoio dessa forma me enoja", escreveu João Guilherme.

Famílias rachadas politicamente são um fenômeno novo na música sertaneja. Não se viu tamanha divisão quando os sertanejos apoiaram Collor em 1989, quando estiveram ao lado de Lula em 2002 nem quando se engajaram na campanha de Aécio em 2014 ou de Bolsonaro em 2018.

O que acontece na música sertaneja retrata o que se passa praticamente em todas as famílias brasileiras. Poucos são os que podem soberbamente falar o que disse Francisco Gil, filho de Gilberto Gil, quando comentou a postagem de Júnior: "Felizmente não tenho [tio do zap na família]. É uma bênção ser cercado por pessoas que têm o mesmo pensamento". A família sertaneja dividida se parece mais com o Brasil do que a família unida da MPB, presa à bolha dos seus.

O racha familiar expressa o Brasil nas suas ambiguidades e paradoxos. É curioso que os filhos e sobrinhos que demonstraram descontentamento com os familiares tenham eles mesmos em algum momento da vida sofrido preconceito na carne.

Júnior narrou no documentário "Sandy e Júnior: A História", do Globoplay, que muitas vezes ao longo da carreira foi acusado de ser homossexual e como isso mexeu em sua personalidade. "Me chamavam de gay quando eu era mais moleque. Por causa daquela música ‘Vai Ter que Rebolar’. Eu era criança…"

Já João Guilherme, filho de 20 anos de Leonardo, também foi patrulhado sexualmente por ser adepto a roupas descoladas, às vezes muito justas, usar colar, brinco, anéis e pintar as unhas. Em entrevista à revista Quem ele disse: "Já falei que sou hétero. É que as pessoas cismam que não. Na real, as pessoas não estão acostumadas a ver pessoas desconstruídas, principalmente se divulgando assim".

Não foi somente a eleição que causou o racha familiar entre sertanejos. A pauta dos costumes vem dividindo gerações. Recentemente, o sertanejo Fernando Zor, da dupla Fernando e Sorocaba, publicou uma lista em 19 de outubro na qual descreveu 12 características do que para ele seria seu tipo de "mulher ideal", iniciando uma nova polêmica envolvendo o seu nome na web.

No rol estavam itens como não ser muito gorda nem muito magra, saber fazer arroz solto, não pôr a carreira em primeiro lugar, tomar banho com o box fechado, ter uma conexão com a roça, não ser vegana e não viver viajando com as amigas. Questionada, a filha de Fernando Zor, Kamily, também se manifestou: "Amo meu pai com todo o meu coração, mas ele é humano e falho, como todos nós".

É um equívoco tratar a música sertaneja como um bloco unívoco, como se todos fossem necessariamente bolsonaristas, reacionários ou direitistas ensandecidos. As exceções existem e não podem ser ignoradas, até para não jogarmos todos os sertanejos no colo do bolsonarismo, que não morrerá com a vitória de Lula. As brechas estão aí.

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