Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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Uma questão de estilo

Multiplicação de cursos intitulados 'O Golpe de 2016' trai o espírito da academia

Primeiro dia de aula da disciplina sobre 'o golpe de 2016', na Universidade de Brasília
Primeiro dia de aula da disciplina sobre 'o golpe de 2016', na Universidade de Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Professores universitários podem ter várias taras, mas aborrecer as pessoas não é uma delas —ou ao menos não uma muito prevalente. Por que, então, a prosa acadêmica é tão chata? Existem motivos intrínsecos para a proverbial capacidade dos “journals” e das bancas de tornar insosso até aquilo que é muito legal?

Eu suspeito que sim. Um pouco por exigências do sistema, um pouco por acidentes da história, o estilo acadêmico foi concebido para ser uma forma de escrita tão transparente e imparcial quanto possível. Dele foram banidos todos os artifícios retóricos de apelo emocional e também as técnicas narrativas que visam a tornar os textos mais interessantes. O recurso de descrever minuciosamente cada passo a ser dado é obrigatório.

Como brincou o filósofo Jonathan Wolff, um romance de detetive escrito pelo acadêmico ideal começaria com a seguinte frase: “Neste livro, mostrarei que foi o mordomo”. Aí é só preencher os detalhes.

Mesmo quando toma partido em favor de uma tese polêmica, o acadêmico ideal descreve a controvérsia em termos tão neutros quanto possível e precisa retratar de modo fiel os argumentos da parte oposta (princípio da caridade).

Fiz todas essas considerações sobre estilo para concluir que a multiplicação de cursos intitulados “O Golpe de 2016” trai o espírito da academia. Não é que os professores não possam se posicionar, mas, ao abandonar a cautela do estilo acadêmico, acabam revelando intenções panfletárias.

Pior mesmo só a atitude do titular da Educação de tentar calar quem ministra tais cursos. É coisa de quem faltou às aulas de democracia um e nunca cursou introdução à autonomia universitária.

De todo modo, mesmo sabendo que o acadêmico ideal não passa de uma ficção reguladora, espera-se mais da academia do que de um ministro do governo Temer.

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