O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, em campanha pela reeleição, está sendo acusado de racista, porque foi divulgada uma fotografia de 2001 em que ele aparece fantasiado de Aladin. Trudeau usou maquiagem para o rosto ficar num tom mais escuro, prática hoje vista como racista.
O premiê admitiu que errou, desculpou-se e revelou que há um outro episódio, do ensino médio, em que também usou maquiagem transracial. É cedo para saber o impacto que o caso terá na eleição, mas já há elementos para uma discussão interessante sobre o que é ser racista.
Precisamos distinguir duas modalidades de racismo. A primeira, que podemos chamar de essencial, envolve declarações em que se atribui a um indivíduo características negativas percebidas como comuns a seu grupo étnico. Um exemplo: “O negro é indolente e sonhador e gasta seu dinheiro com frivolidades e bebida”. Essa pérola é de Che Guevara, numa prova de que ser de esquerda não protege ninguém contra o preconceito racial.
Há também um racismo mais simbólico, que passa pela evocação ou utilização de signos que convencionamos tachar de preconceituosos. O “blackface” é um deles. Não há nada de objetivamente depreciativo em pintar o rosto, mas, por circunstâncias da história, fazê-lo passou a ser considerado uma atitude racista.
Se o racismo essencial é minimamente estável —uma atribuição espúria é espúria em qualquer época e lugar—, o simbólico tem a variabilidade como norma. Afinal, de uma infinidade de gestos e expressões que de algum modo evocam assimetrias raciais, escolhem-se meio caprichosamente alguns poucos que ganham então estatuto de termo-tabu.
Mudanças podem ser rápidas. Até a virada do século, a TV canadense exibia o “blackface” sem constrangimentos. Tal velocidade expõe pessoas, mesmo as que não cabem no figurino de racistas, como Trudeau, ao risco de anacronismos e julgamentos presentistas.
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