Já que abundam bajuladores no governo brasileiro e a lei considera crime agravado ofender a honra de chefes de Estado estrangeiros, não vou dizer que torço para que Donald Trump morra por causa da Covid-19. Vou apenas dizer que não torço por seu pronto restabelecimento. Acho que até o André Mendonça terá dificuldade para ver nisso um delito.
Resta agora explicar o porquê de minha posição. Na ética consequencialista, que a maioria das pessoas abraça, desde que os problemas sejam apresentados de forma abstrata e sem nomes, ações são valoradas por seus resultados. Se há um trem desembestado prestes a atingir um grupo de cinco que caminha sobre os trilhos e existe a possibilidade de um agente acionar um dispositivo que desvia o comboio para um ramal no qual se encontra um único passante, cerca de 90% das pessoas dizem que puxariam a alavanca, salvando quatro vidas.
A questão é saber se há razões para acreditar que o desaparecimento de Trump pouparia vidas. No caso de Bolsonaro, justifiquei minha torcida com base num estudo que mostrava que cada fala negacionista do presidente se fazia seguir de queda nas taxas de isolamento e de aumento nos óbitos. Algo parecido deve valer para Trump, mas nem acho que esse seja, hoje, o problema mais urgente, já que a epidemia reflui nos EUA, seu mandato está no fim e são grandes as chances de não ser reeleito.
Mais perigosa, me parece, é sua ameaça de não aceitar uma eventual derrota nas urnas, o que poderia levar os EUA a uma crise constitucional, com repercussões políticas e econômicas que custariam mais de uma vida.
Como raciocínios contrafactuais envolvem ainda mais incertezas que acontecimentos do mundo real, não recomendo pular dos desejos para as ações. Seria uma má ideia assassinar Trump ou Bolsonaro, mas não há nada de errado em rejeitar a hipocrisia de dizer que desejo melhoras quando não desejo e tenho motivos para isso.
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