Espero que não cheguemos a esse ponto, mas não dá para descartar a possibilidade de a ômicron pressionar tanto o sistema de saúde que, em alguns lugares, médicos se vejam mais uma vez obrigados a decidir quais pacientes irão para o ventilador (ou terão acesso a outro tratamento salvador e escasso) e quais receberão cuidados paliativos.
A fim de reduzir a angústia dos profissionais de saúde diante dessas situações, sociedades médicas e até governos publicaram diretrizes de como proceder nesses casos. Elas podiam ser mais ou menos explícitas, mas giravam em torno de princípios bioéticos clássicos, que mandam dar preferência a pacientes com maior probabilidade de sobreviver e que tenham mais anos de vida saudável pela frente.
Vivemos agora uma fase da pandemia em que outro critério pode ser introduzido: o status vacinal.
Ao contrário do que ocorreu nos outros picos, a oferta de vacinas no Brasil é hoje abundante. Só não se imunizou o adulto que não quis. Mas esse é um critério válido? É mais ou menos pacífico na bioética que médico não é juiz. A ficha corrida do paciente, sua vida moral, crenças e preferências não são itens que possam ser levados em conta na hora de decidir quem vai receber qual recurso.
O que dizer, porém, de ações do paciente que podem tê-lo levado ao hospital? Imagine duas pessoas que chegam ao mesmo tempo precisando do único leito de UTI disponível. Elas se igualam em tudo, menos na causa do acidente. A primeira se feriu ao mergulhar sem gaiola com tubarões brancos famintos e a segunda foi vítima de uma bala perdida. Penso que, neste caso, podemos dar preferência a quem não se submeteu voluntariamente a risco.
Algo parecido, creio, vale para a Covid. O status vacinal é um item a considerar, mas lá no fim da lista, só como critério de desempate. Se não for assim, está aberto o caminho para negar tratamento a fumantes, sedentários, obesos etc.
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