Até que enfim uma polêmica na qual eu tenho o tal do lugar de fala. Sou judeu. Bem relapso, mas ainda assim judeu. Não acredito em Deus e não devo ter entrado numa sinagoga mais do que meia dúzia de vezes em toda a vida, mas gosto de literatura iídiche e de "guefilte fish". Mais importante, perdi grande parte da família no Holocausto.
Eu obviamente não gostaria de ver um partido nazista no Brasil, mas não me oporia à adoção de uma versão mais robusta da liberdade de expressão, semelhante à praticada nos EUA, onde a Suprema Corte entendeu que mesmo opiniões e manifestações nazistas estão cobertas pela primeira emenda. É claro que, se alguém tenta implementar essas ideias nazistas, em vez de só defendê-las com palavras, torna-se um alvo legítimo para a SWAT.
E por que uma liberdade de expressão assim tão dilatada? Ninguém em sã consciência vai defender que fustigar minorias seja um valor. Mas é muito razoável estabelecer que o Estado não tem o poder de decidir quais são os discursos aceitáveis e quais não são, caso em que tolerar opiniões ofensivas se torna um efeito colateral adverso, mas inafastável.
Liberdade de expressão forte não implica impunidade. É só de sanções penais que opiniões ficam protegidas, não de opiniões contrárias. Quem não gostou do que o podcaster Monark disse sobre judeus e nazistas tem o direito e até o dever de contestá-lo. Pode também partir para outras formas de protesto, inclusive o boicote. Para o bem e para o mal, não existe proteção contra sanções sociais.
Penso que Monark exibiu uma assustadora inabilidade argumentativa, além de ignorância em relação a nazismo e antissemitismo, mas não vi crime em suas intervenções. Não há nenhum tipo de apologia nem incitação.
Voltando ao lugar de fala, não vejo como o fato de eu ser judeu possa racionalmente afetar os argumentos de que me vali, mas já que é um conceito da moda, resolvi experimentar.
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