Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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O direito de dizer besteira

Para conversar com Hitler sem problema, é preciso primeiro aprender alemão

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Voltaire de Souza

Frio. Geada. Cobertores.

Parece incrível.

Mas o tempo enlouquece no Sul do Brasil.

Em pleno verão, os termômetros se encolhem.

Frederico era um jovem blogueiro e influencer conservador.

–Depois falam em aquecimento global…

A ciência explica esses fenômenos imprevistos.

–Eu não acredito em ciência.

Um delicado manto branco se estendia sobre a serra catarinense.

–Acredito no que estou vendo.

É como dizem.

O direito de falar besteira está ao alcance de todos.

Frederico ia além.

Suas opiniões contavam com milhares de seguidores.

–Manda bala, Frederico.

–Haha, detonou hein!

Veio a indagação.

–Frederico, o que você acha da democracia?

–Sou totalmente a favor.

Ele aumentou o volume do microfone.

–O problema é que não temos democracia no Brasil.

Um vento cortante parecia querer ultrapassar a janela do seu estúdio doméstico.

–E isso, por uma razão bem simples.

O canal interrompeu a transmissão para um anúncio.

–Artigos esportivos em promoção.

Frederico respirou fundo.

–Aparelho de musculação em oferta. Uma academia em casa.

Ele retomou o argumento.

–Faz falta um partido nazista.

–Luvas de boxe e arsenal de tiro.

–Sem isso, a democracia é uma farsa.

Do lado de fora, o frio ia ficando mais intenso.

–E, pessoalmente, eu conversaria com Hitler sem nenhum problema.

Isto é, desde que o ditador aprendesse português.

–Taí. Vou aprender alemão.

Frederico começou a procurar na internet.

–Experimente grátis. Clique aqui.

O sistema de ensino de línguas era pelo método direto.

–Frrederrika. Votsê é uma krretina.

–Pera aí. Quem disse que eu mudei de sexo?

Frederico fechou a aba do computador.

–Estão me ofendendo pesado.

Foi quando tocou o celular.

Era o dr. Portinholi.

Principal acionista da Loja de Artigos Esportivos Minotauro.

–Estou suspendendo o meu patricínio, Frederico.

–Como assim? Isso é racismo. Racismo reverso.

A mãe de Frederico chamou da cozinha.

–Vem tomar o café da manhã, filho.

Broas. Bolinhos. Quitutes.

–Idiota. Vontade de te encher de porrada.

–Então vem, cachorro. E ainda pensa que é branco.

–Como assim? Claro que sou branco.

–Filho, o pão de queijo vai esfriar.

–Cala a boca, imbecil.

Lágrimas surgiram nos olhos azuis de dona Lazinha.

–Filho… o que foi que eu fiz para você me xingar tanto?

–Fuzilamento para você é pouco, babaca.

Dona Lazinha resolveu suspender a mesada.

Frederico não entende bem o que aconteceu.

–Mãe… numa democracia, posso falar o que eu quiser.

O gelo penetrou no ambiente familiar.

Até que dona Lazinha teve pena.

Junto com o pratinho, ela levou um conselho.

–Em boca fechada não entra mosquito.

Mas um pão de queijo, de vez em quando, se ingere numa boa.

–Mnhonverso cfom o Nhitfler fhem fhefhnhum frhofrema.

Na telinha, a aula de idiomas começa pelo básico.

–Guten morgen, Frrederrika.

–Fnufcha fchiô fchariu.

Construir uma democracia é tarefa demorada e difícil.

Mas difícil mesmo é falar com a boca cheia em alemão.

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