O livro "Not So Black and White" (não tão preto no branco), de Kenan Malik, pode ser descrito como uma crítica de esquerda à política identitária. Para dar peso a seus argumentos, ele traça uma história do racismo desde seu surgimento, em fins do século 18, até os dias atuais. E aí nos faz viajar por lugares, períodos e movimentos definidores, como a revolução haitiana, a Alemanha nazista e o Black Lives Matter.
Para o autor, o racismo é a reação da direita às teses universalistas do Iluminismo, que afirmavam que não havia diferenças significativas entre as pessoas. Para contrapor-se a isso, a direita reacionária veio com a ideia de raça. Diferenças biológicas, mentais e de valores observadas entre os grupos étnicos é que forjariam a identidade de cada indivíduo.
Africanos não foram escravizados porque eram negros; o discurso de negros como uma categoria racial distinta é que surgiu para justificar a escravização. Foi esse mecanismo que permitiu que os EUA, embora trouxessem em seu documento fundador uma profissão de fé na igualdade entre os homens, vivessem por quase um século como nação escravocrata. Nesse sentido, o racismo está inscrito no DNA americano.
Militantes do movimento negro perceberam isso e desenvolveram um pessimismo racial. Para eles, o racismo é inerradicável. E, já que tentativas de alterar esse "statu quo" são fúteis, só o que resta é denunciar a situação e cobrar gestos simbólicos de reparação. Na esquerda, essa tendência foi reforçada pelo enfraquecimento dos movimentos sindicais e pelo quase abandono da ideia de classe social como uma categoria sociologicamente relevante. Classes sociais, por não serem fixas, são compatíveis com as ideias de universalidade e igualdade; já raça, por ser uma categoria imutável, não é. E isso, em algumas situações, coloca a esquerda identitária em posições perigosamente próximas às da direita anti-iluminista.
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