Vejo com bons olhos o hábito do presidente Lula de deixar que ministros e assessores de diferentes alas troquem argumentos e até farpas em torno de posições antes de tomar sua decisão. Soluções debatidas, isto é, submetidas a um processo de crítica, tendem a ser melhores que as produzidas com base apenas em intuições. A dúvida é se essas disputas devem ser travadas em privado ou aos olhos de todos.
De um modo geral, a transparência é bem-vinda. Eu diria até que é uma necessidade quando falamos de governos. Uma receita infalível para produzir arbítrio e corrupção é permitir que autoridades tomem decisões sem que precisem prestar contas delas. Não é uma coincidência que os serviços estatais mais temíveis sejam aqueles autorizados a operar sob o manto do sigilo, como a CIA ou o Mossad.
Já comentei aqui um trabalho do jurista americano Cass Sunstein, em que ele distingue a transparência de entrada ("input") da de saída ("output"). A primeira diz respeito ao processo pelo qual agentes governamentais tomam uma decisão; a segunda é a própria decisão. E, se não há muita dúvida de que a transparência de saída deve ser a regra (as exceções se contam nos dedos), tudo fica mais complicado com a transparência de entrada.
Nem sempre faz sentido expor ao público o processo de deliberação interna pelo qual autoridades tomam decisões. Se tudo for sempre para os registros, será menor o nível de abertura e honestidade com o qual servidores debatem questões importantes, com prejuízo para a qualidade das escolhas.
Penso que Lula deve ouvir todas as facções de seu governo em questões como a reoneração dos combustíveis. Mas daí não se segue que deva transformar o processo num espetáculo público. Isso é especialmente verdade quando se vive uma situação em que tudo o que pareça um bombardeio às posições do ministro Fernando Haddad acaba contribuindo para prolongar a alta dos juros.
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