Lula traiu a promessa, que o ajudou a eleger-se, de governar com uma frente ampla e sem radicalismos? A resposta, obviamente, depende da área que avaliamos.
A boa notícia é que há campos em que o governo vai bem. Acho que nenhuma das forças que apoiou o petista contra Bolsonaro vai afirmar que a política adotada pelo governo na questão das armas, da abertura dos sigilos ou do combate ao garimpo ilegal está errada. Pode-se discordar de uma ou outra medida, mas não do plano geral.
Há, porém, duas searas em que a retórica do presidente parece mesmo desafiar a ideia de pacificação e busca pelo consenso. A primeira é a economia. É verdade que, durante a campanha, Lula evitou entrar em detalhes. Ele foi na mais perfeita linha "la garantia soy yo". Ainda assim, suas declarações contra a política de juros do Banco Central surpreendem pela simples razão de que provocam efeitos na economia real que vão contra os interesses do próprio governo.
Se o objetivo de Lula era só questionar o nível de juros, teria sido melhor terceirizar as críticas colocando-as na boca de um preposto, como fez nos dois primeiros mandatos, através do vice José de Alencar. O dólar e o juro futuro estariam mais baixos, e o debate não teria sido "vetado".
Igualmente contraproducente é o projeto de revisionismo histórico em que Lula se engajou. Ele não para de repetir que o impeachment de Dilma foi um golpe e assinou, como membro do Diretório Nacional do PT, uma resolução que qualifica os casos de corrupção em que o partido se envolveu como "falsas denúncias". Se um pouco de revanchismo ajuda a energizar a militância petista, ele também contribui para desagregar a coalizão que o próprio Lula tenta construir. Vários de seus ministros (e o vice) apoiaram o impeachment, sem mencionar cerca de duas centenas de parlamentares que o aprovaram e de cuja colaboração o presidente precisará para tocar seu governo.
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