Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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Ações e gostos são resultados de uma loteria cósmica

Livro nega existência de livre-arbítrio e analisa consequências para o direito e a ética

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"Determined", o mais recente livro do cientista cognitivo Robert Sapolsky, é bom. Trata-se de um bem fundamentado libelo contra o livre-arbítrio, com todas as consequências que isso acarreta para o direito e a ética. Devo dizer que sou meio suspeito para comentar, já que tenho posição semelhante à dele, ainda que ele a professe com muito mais veemência e autoridade que eu.

O cerne de sua argumentação é simples. O Universo, ou, ao menos, o mundo macroscópico em que vivemos, é determinístico. Tudo tem uma ou mais causas. Não existem pensamentos ou vontades que não venham de ativações de neurônios que estão sujeitas às regras de causalidade do mundo físico. A cadeia de causalidades pode ser complexa. O modo como cada indivíduo reage a eventos depende de fatores tão variados que vão, do mais imediato para o mais remoto, do nível de glicose no sangue, aos hormônios secretados naquele momento, passando pela história de vida, notadamente os traumas, pelas predisposições genéticas e chegando às influências da cultura em que ele vive. O acaso também entra. Os genes de cada pessoa são o resultado de uma loteria cósmica.

A ilustração de Annette Schwartsman, publicada na Folha de São Paulo no dia 12 de novembro de 2023, mostra uma cabeça humana com o cérebro “vazado" e, ao fundo, uma engrenagem gigante que abrange toda a imagem, inclusive o cérebro.
Ilustração de Annette Schwartsman para coluna de Hélio Schwartsman - Annette Schwartsman

Você até pode escolher entre a saladinha e a feijoada no restaurante, mas não tem agência sobre as comidas que prefere. Pior, a sua capacidade de resistir a impulsos é ela própria resultado da cadeia de determinações a que estamos todos submetidos.

As implicações não são triviais. Entram em xeque noções bem estabelecidas como a de direito retributivo. Não é que possamos prescindir de leis e de polícia, mas, quando prendemos alguém, a justificativa não deve ser um abstrato "fazer justiça", mas sim proteger a sociedade de quem a ameace fisicamente e dissuadir futuros criminosos. Indivíduos respondem a estímulos e desestímulos.

E, se isso já é difícil de engolir, ainda tem mais. Também não somos responsáveis pelos nossos acertos. A meritocracia é um mito.

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