Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Lula precisa saber com clareza o que esperar dos chineses na visita a Xi Jinping

Nos últimos anos, relação entre Brasil e China avançou em números, mas muito pouco em substância

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Nos próximos dias, o chanceler Mauro Vieira deve embarcar para Pequim com a missão de preparar a visita de Lula ao seu homólogo Xi Jinping em março. As ambições para a ocasião são muitas.

Em entrevistas, Vieira já adiantou que o Brasil quer abordar temas que vão do aumento na produção conjunta de satélites a estratégias para proteção ambiental e alívio à pobreza, além de trocas comerciais.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe a carta credencial do embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao, no Palácio do Planalto, em Brasília; formalidade representa reconhecimento da legitimidade do diplomata para representar seu país - Gabriela Biló - 3.fev.23/Folhapress

Há motivos para a expectativa. A China é o principal parceiro comercial brasileiro desde 2009, e o Brasil é o maior destino de seus investimentos no mundo. Pequim tem aqui uma "parceria estratégica" —chancela dada a um punhado de nações que consideram relevantes em seu engajamento internacional.

Ademais, Lula na Presidência representa uma normalização nas relações, que, se não sofreram no lado comercial durante a era Bolsonaro, certamente saíram arranhadas após declarações xenofóbicas e brigas em redes sociais puxadas por apoiadores próximos ao ex-presidente contra os chineses.

O governo precisa saber com clareza o que esperar dos chineses, assim como Pequim sabe quais os benefícios da relação —o Brasil é crucial para sua segurança alimentar, e as dimensões continentais com marcos regulatórios razoavelmente amadurecidos torna o país atrativo a investimentos em infraestrutura.

Por aqui, no entanto, acostumamo-nos a insistir em temas sem urgência para os liderados por Xi.

Vieira já disse que pretende outra vez pedir à China apoio mais explícito à mudança do status do Brasil para membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, pauta que perdeu força na diplomacia chinesa e foi impactada pelo isolamento promovido pela chefia inepta de Ernesto Araújo no Itamaraty.

O novo chanceler também quer falar sobre diversificação da pauta comercial, muito concentrada na exportação de commodities e de produtos de baixo valor agregado. Cadeias de produção, entretanto, são complementares, e há pouco da produção industrial brasileira que os chineses careçam no momento.

Bater nessas teclas parece um reflexo de uma relação que avançou em números, mas muito pouco em substância. O Brasil aproveita mal vários dos canais abertos pela China para engajamento em alto nível.

A Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), plataforma política de maior relevância no trato com Pequim, carece de efeitos práticos há anos. Lula talvez consiga reverter o quadro, mas até no Brics a presença do país é tímida, e o Brasil pouco se empenha para tornar o Fórum de Macau, criado para engajamento com países lusófonos, um espaço de debates importantes, ainda que centrados na promoção da literatura e do cinema brasileiros na cidade de herança colonial portuguesa.

Há caminhos para um salto na relação com os chineses, mas para encontrá-los é urgente ampliar o conhecimento sobre o país no Instituto Rio Branco, capacitando diplomatas para identificar tais oportunidades. Nas universidades, estamos muito atrás do Norte global. Há pouquíssima oferta de Letras —mandarim e nenhum curso de graduação em Estudos da China, área tradicional da academia estrangeira e essencial para a formação de uma comunidade acadêmica de sinólogos com sangue novo e capazes de responder aos dilemas globais oriundos da ascensão do gigante asiático.

Não são problemas que se resolvem rapidamente, mas seria bom que Vieira e Lula começassem a se ocupar deles caso interesse ao país usufruir do bom trânsito em Pequim para avançar agendas próprias.

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