Ao desembarcar no Brasil, na segunda (30), o premiê alemão, Olaf Scholz, queria mais do que mostrar o apoio europeu ao novo presidente. A missão era atrair Lula a uma coalizão anti-Rússia, o que pavimentaria o caminho na América do Sul para isolar ainda mais Moscou. Recebeu uma negativa e o apelo do petista para que "a China coloque a mão na massa", ajudando a iniciar um processo de paz.
É louvável o respeito à tradição conciliatória do Brasil, mas Lula —que prometeu tocar no assunto com Xi Jinping quando visitar a China, em março— está desconectado das mudanças na diplomacia chinesa desde o fim de seu segundo mandato, em 2011. Convencer a China a mediar tratativas de paz com russos e ucranianos é tarefa hercúlea, complexa demais para as ambições globais do líder brasileiro.
Não é que Pequim não esteja incomodada. Em fevereiro do ano passado, Vladimir Putin, recebido com pompa na China para a abertura das Olimpíadas de Inverno, teria negado em reuniões fechadas suas especuladas pretensões bélicas na Ucrânia. Recebeu em troca afagos de Xi e promessas de "uma amizade sem limites". Bastaram 20 dias para que avançasse sobre as fronteiras ucranianas.
Quando algo dessa magnitude acontece, é obrigação da mídia chinesa seguir rigorosamente a cobertura da agência estatal Xinhua. Mas a invasão pegou a Xinhua de surpresa, deixando canais de TV chineses atônitos, reproduzindo conteúdo inútil do dia anterior. Quando ficou claro que não seria possível continuar ignorando a invasão, a CCTV, principal emissora do país, montou às pressas um painel com especialistas, tateando o assunto sem cruzar linhas políticas que àquela altura ainda não estavam demarcadas.
O discurso só foi alinhado no final do dia: pedidos de moderação, sem deixar de culpar o Ocidente por ter, na visão propagada, colocado lenha na fogueira. Foi um sinal de que Xi navegava no escuro.
Pequim e Moscou vêm aprofundando laços há anos, constituindo contrapesos às ambições ocidentais. Os negócios aumentaram, a China financiou vários projetos de infraestrutura russos, e o próprio Putin recebeu de Xi uma Medalha da Amizade, a mais alta comanda chinesa destinada a estrangeiros.
O caminho escolhido na guerra até aqui foi o de tirar o corpo fora. Nas resoluções que condenaram a Rússia na ONU, a China se absteve. Talvez esperando uma queda rápida de Kiev, passou a defender, sem pressa para se engajar, uma saída mediada que considerasse as "preocupações de segurança russas".
O silêncio lhe garantiu petróleo e gás russos com descontos generosos, além do aumento das trocas comerciais em yuan. Por mais distinta que a situação da Ucrânia seja da de Taiwan, o conflito também deu a Xi a oportunidade de observar quais seriam as reações ocidentais se tomasse caminho parecido.
Contudo, a defesa da soberania sempre foi um dos pilares da diplomacia chinesa, um argumento para reivindicar o direito sobre a ilha que vê como província rebelde. A inércia também começou a cobrar seu preço, sobretudo porque está claro o erro russo em contar com uma capitulação rápida. Pequim, claro, não está contente de ter sido arrastada para essa briga sem fim à vista, mas não deve se mexer agora.
O primeiro ano chinês pós-pandemia promete ser economicamente difícil, e as atenções estão concentradas no cenário doméstico. Ao menos por ora, apelos de Lula para que os chineses mexam nesse vespeiro devem entrar por um ouvido e sair pelo outro. A exceção permanece sendo um eventual uso de armas nucleares pelos russos, mas, se chegarmos a esse ponto, o Brasil será apenas um coadjuvante na conversa entre pessoas com o poder de extinguir a humanidade apertando meia dúzia de botões.
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