Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu China

Filme 'Barbie' relembra potencial explosivo do Mar do Sul da China

Exibição de controverso mapa indica que questão seguirá motivo de divisão e um dos pontos mais sensíveis do mundo

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Quem mora no Vietnã não vai poder assistir ao filme da Barbie nos cinemas. A produção foi banida no país, e por um motivo bem específico: algumas linhas pontilhadas em um mapa fictício que aparece no trailer do longa. Pode parecer pouco para o espectador menos atento, mas isso abarca um grande imbróglio. Trata-se das linhas que Pequim usa para reclamar a soberania sobre o Mar do Sul da China.

O tema é uma das principais disputas diplomáticas entre chineses e seus vizinhos e antecede a chegada do Partido Comunista ao poder. Em 1947, o geógrafo Yang Huairen foi encarregado pelo governo liderado por Chiang Kai-shek de desenhar um mapa acurado das fronteiras chinesas. O objetivo era ter base documental para reivindicar a jurisdição sobre territórios marítimos após a Segunda Guerra Mundial.

A atriz autraliana Margot Robbie durante evento para promover o filme 'Barbie', em Seul
A atriz autraliana Margot Robbie durante evento para promover o filme 'Barbie', em Seul - Jung Yeon-je - 2.jul.23/AFP

Yang tracejou as chamadas linhas das 11 raias, que reclamavam soberania sobre o Mar do Sul da China. A região é rica em recursos naturais e estrategicamente importante para fins militares e comerciais.

Os comunistas chegaram ao poder dois anos depois e Yang caiu em desgraça na Revolução Cultural, mas a China continuou a reclamar a maior parte desse mapa —com exceção do Golfo de Tonkin, que Mao abriu mão em favor dos comunistas no Vietnã. Assim, a linha passou a demarcar nove raias, englobando 90% das águas e em disputa com seis vizinhos, incluindo o Vietnã, que não se satisfez com a benesse de Mao.

A soberania sobre o Mar do Sul da China permaneceu um ponto de divergência, mas foi largamente ignorada até 2013, quando fotos de satélite mostraram que Pequim havia iniciado a construção de ilhas artificiais na região e enviando militares para resguardar o território.

Para justificar a soberania sobre as águas, Pequim usa uma colcha de retalhos históricos largamente disputada por especialistas. O local, argumentam, pertence à China porque ainda no século 3 havia relatos de exploradores chineses em missão ao Camboja mencionando as raias como parte das fronteiras nacionais do gigante asiático.

Ao longo dos anos, o país também apresentou supostas evidências arqueológicas, como vasos chineses alegadamente encontrados por lá que comprovariam a demanda.

Aceitar o argumento requer alguma ginástica. Embora tenham se engajado na exploração marítima na Dinastia Ming (1368-1644), os chineses depois se isolaram em terra firme. Seus sucessores, os Qing, nem sequer tinham mapas confiáveis da região e, até sua queda, em 1912, ignoraram a expansão pela água.

Alheia aos questionamentos, Pequim insiste na reclamação. Seus passaportes incluem as nove raias, assim como os livros didáticos do país. As Filipinas entraram com uma ação na Corte Permanente de Arbitragem em Haia, que em 2016 decidiu não haver base legal na justificativa de "direitos históricos".

A disputa hoje é maior que apenas a reclamação sobre quem tem direito aos recursos que a região pode fornecer. Tornou-se uma questão nacionalista para os países, com envolvimento direto dos EUA, que alegam proteger a livre navegação para justificar a crescente presença militar por aquelas águas.

Americanos acusam chineses de recorrer a coação para desrespeitar a lei internacional, e, nos últimos anos, interceptações chinesas de forças militares dos EUA viraram comuns na região, quase levando os países para um incidente que poderia escalar para um conflito armado.

É pouco provável que os produtores de "Barbie" tivessem todas essas questões em mente quando usaram o controverso mapa em uma das cenas. As reações, porém, indicam que a questão seguirá um motivo de divisão e talvez um dos pontos mais sensíveis do mundo, com capacidade para desencadear um conflito, a depender de quão longe cada lado resolva ir para defender o que considera direitos legítimos.

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