Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu Governo Biden China

Xi Jinping é um ditador?

Resposta para a pergunta é bem mais complexa do que pode parecer

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Por que a imprensa chama Nicolás Maduro e Kim Jong-un de ditadores, mas não aplica o mesmo termo a Xi Jinping?" Volta e meia ouço esta pergunta, e o questionamento é válido —o leitor mais atento percebe que a Folha se refere a Xi como "líder chinês" e "secretário-geral do Partido Comunista".

Outros veículos também adotam incorretamente o termo "presidente", palavra que, no chinês (总统, zǒngtǒng), quase nunca é usada para se referir ao líder nacional (主席, zhǔxí).

A discussão voltou após uma fala recente de Joe Biden. O presidente americano alegou que Xi não sabia que o suposto balão espião chinês sobrevoava os EUA e emendou: "É uma grande vergonha para ditadores quando não sabem o que está acontecendo". "Biden chama Xi Jinping de ditador", estamparam jornais, para a fúria da diplomacia chinesa, que classificou a fala de "irresponsável" e "absurda".

Xi Jinping participa da abertura do 19º congresso nacional da Liga da Juventude Comunista da China em Pequim - Ju Peng -19.jun.23/Xinhua

Mas, afinal, Xi é um ditador? A resposta para a pergunta é bem mais complexa do que pode parecer.

Sob a ótica da democracia liberal, a China, por óbvio, não é democrática. Até existem (poucas) eleições para cargos menores, mas não há representação direta. Oito partidos são reconhecidos oficialmente, mas na prática isso é irrelevante: além de serem obrigados a chancelar a primazia do Partido Comunista, as siglas não disputam cargos pelo voto ou participam da formação do governo. Defesa, economia e política externa são áreas total ou majoritariamente controladas pelos comunistas.

A Constituição prevê liberdade de expressão e de imprensa, independência de Poderes e Estado de direito, direitos nunca implementados para valer. Em última instância, o partido tutela o Estado como um todo.

Há, porém, elementos da cultura política que se aproximam de conceitos democráticos. Contrário à crença popular, há, sim, frequentes protestos na China. Em geral, o partido não tolera questionamentos à sua liderança, mas costuma ser relativamente aberto (e costuma reagir positivamente) a quem reclama de casos de corrupção local, problemas trabalhistas e danos ao ambiente, por exemplo.

Também a imprensa não é completamente controlada. O alcance das mídias não partidárias é pequeno, e elas frequentemente são censuradas, mas existem. Exemplos relevantes —embora cada vez menos numerosos— de jornalismo profissional incluem a revista Caixin e o site Sixth Tone.

Após a morte de Mao Tsé-tung, o país caminhou rumo a um modelo de liderança coletiva. O topo da hierarquia estatal passou a ser composto por uma junta de notáveis que representava várias facções do partido e, em alguma medida, serviram para impedir os arroubos autoritários da era maoísta.

Convencionou-se então classificar a China como "Estado de partido único", mas não necessariamente uma ditadura clássica em torno de um único homem. Mais recentemente, Pequim passou até a alardear o desenvolvimento de uma forma de democracia alternativa e superior (palavras deles), que leva em conta o contexto histórico próprio e as necessidades de seu povo em vez da adoção da fórmula ocidental.

Sabe-se, no entanto, que, ao ser reconduzido ao cargo de líder nacional, Xi praticamente limou a oposição interna e aparelhou o Estado com quadros de sua confiança. Observou-se um aumento na repressão à dissidência e a organizações da frágil sociedade civil, com excessiva paranoia em relação à estabilidade.

Assim, é ilustrativa a anedota contada pela sinóloga Mary Gallagher. Convidada a lecionar em uma universidade chinesa, em 2012, ela deu uma aula sobre o sistema político chinês e classificou o líder nacional de "autocrata". Frente a reclamações, preferiu focar o modo "autoritário" de governo.

Mais uma vez barrada por seus superiores, tentou diferentes termos —ditadura, não democracia, partido único… Depois de muito vai e volta, a professora preferiu não traduzir termo nenhum.


Nota da Redação:

A Folha usa o termo ditador para designar o dirigente principal de um regime sem liberdades democráticas e com poderes concentrados nas mãos de um só líder. O termo não se aplica, por exemplo, aos membros de uma junta militar ou da cúpula de regimes autoritários com algum mecanismo de divisão do poder.

Para os casos de regimes ditatoriais não pessoais, como China e Vietnã, usa-se o termo dirigente ou líder na primeira menção, buscando acrescentar um adjetivo que descreva o sistema em questão. Exemplo: O dirigente Xi Jinping, chefe do regime ditatorial chinês.

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