Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Esperança na economia torna Bolsonaro inimputável por confusões até aqui

Em uma semana, governo acumula sinais de alerta, mas reformas ainda são seu grande ponto de venda

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O governo de Jair Bolsonaro tem uma semana, mas já sente o peso de alguns meses de desgaste nas costas. Há obviamente uma certa combatividade eleitoral remanescente no ar, que deve subsistir, mas verdade seja dita: todos os tiros, para ficar numa das obsessões do presidente, foram dados contra o próprio pé.

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, durante evento no Palácio do Planalto
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, durante evento no Palácio do Planalto - Adriano Machado - 7.jan.2019/Reuters

O fenômeno mais curioso, contudo, é perceber um caráter de inimputabilidade que vai sendo impingido à figura presidencial. É aqui que vai se desenhando o futuro imediato do governo, e ele tem dois fios condutores.

O primeiro é econômico. Bolsonaro fala bobagem sobre IOF e IR, alguém vai lá e corrige, diz que foi equívoco. Em períodos normais, o tal do mercado desabaria; ele considerou tudo parte da inexperiência do presidente (houve barulho com a parolagem disconexa sobre Embraer, que chacoalhou a empresa, mas aparentemente isso já foi "endereçado" pelos responsáveis de fato, para ficar no jargão do mercado).

Foi isso? Ou foi a esperança no avanço da agenda econômica liberal, reforma da Previdência à frente? Nesse sentido, fechar negócio com quem entende do riscado, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi um gol político muito mais importante para os agentes econômicos do que perceber a incúria do alto escalão nessa largada de administração.

É aqui que reside a maior força potencial de Bolsonaro, a possibilidade de fazer vingar alguma reforma previdenciária e outras medidas. Se fizer isso, a Bolsa vai ao céu, o dólar à terra, e o Jacques de Molay que habita o Itamaraty poderá conclamar uma cruzada contra Caracas que ninguém vai dar bola.

(Em tempo, para saber mais sobre os templários, ordem da qual De Molay foi o último grão-mestre, procure algum historiador sério como o jovem britânico Dan Jones, e não mistificações negativas como a apresentada no filme “Cruzada”, ou francamente delirantes, como na série de TV “Knightfall”.)

Parece reducionismo e é, mas a expectativa é tão alta que olhos se fecham —e nem se fala aqui do déficit ético, com o filho do sempre rígido general Mourão virando uma versão bolsonarista do rebento “Ronaldinho nos negócios” de Lula e sendo justificado na cara dura pelo pai, ignorante da lição óbvia da mulher de César.

Sob essa ótica específica, se o PT tivesse voltado ao poder, estaríamos discutindo sobre restos de um braseiro radioativo, então o resto pode esperar.

Assim, o governo precisa aproveitar o que resta de janeiro para desencalacrar a eleição no Senado. Maia será instrumental para isso, mas não com a plantação de nomes desconhecidos do DEM para enfrentar Renan Calheiros. Major Olímpio empunha a bandeira do PSL, mas não são poucos que veem um tertius como Simone Tebet (MDB-MS) no horizonte.

Já o outro corrimão no qual Bolsonaro se apoia é bastante mais sensível: os militares. Aqui, a tutela temida por nove entre dez observadores isentos do poder começa a ganhar corpo nos bastidores com os atropelos da primeira semana de governo.

É pouco tempo, certamente, mas não ajudou o presidente, o chanceler e seu convidado americano falarem alegremente sobre base ianque em solo brasileiro. Os estrelados da ativa chiaram, criou-se a negativa disfarçada do “não foi bem isso” e vamos em frente. Mas uma cunha se abriu no já complexo relacionamento entre Planalto e as Forças Armadas tão associadas a esse governo.

A mais influente ponte entre os dois mundos, o general Augusto Heleno (GSI), fez o que pôde e jogou como sempre a culpa na imprensa, dizendo que foi “criado um auê” sobre algo que nunca existiu. Bom, se houve auê, foi calcado nas falas de Bolsonaro, do chanceler Ernesto Araújo e de seu homólogo americano, Mike Pompeo. O que ficou, contudo, foi a inimputabilidade do presidente por falar o que não agradou o pessoal de verde-oliva (e azul, e branco).

Objetivamente, é uma discussão menor, mas mostra que os fios desencapados estão para todo lado. Boa parte deles sai da rede de fibra ótica dos filhos de Bolsonaro, logorreicos parricidas em potencial. Enquanto tudo se resume a valentia de rede social escrita em algum dialeto do português, tanto faz.

Mas o episódio da base americana apontou para uma intersecção incômoda para a ala militar do governo e para os chefes da ativa: Araújo é bancado por Eduardo Bolsonaro, que comprou a indicação de Olavo de Carvalho. Dispensável dizer que entre generais e diplomatas já corre o bolão de quanto tempo o cruzado do Itamaraty vai durar na cadeira.

O resto é a espuma previsível: “despetização”, caso Queiroz, gente amalucada e/ou inexperiente em cargos vitais da educação, o incessante bumbo a ser batido para os bolsonaristas digitais, a espera pela agenda de Moro, os temores que vêm do Ceará. A caravana segue.

Como dito antes, é tudo muito embrionário para conclusões, e certamente Bolsonaro tem um grande espaço de manobra no caso de as coisas se encaminharem na economia. Mas a quantidade de luzes de alerta acesas no painel de controle do avião indicam um voo turbulento até isso se delinear.

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