Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Herança de 1932 ainda influencia a política, para o bem e para o mal

No cenário embaralhado por Bolsonaro, Doria se divide em ser paulista e nacional

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A cena pela manhã da terça do feriado de 9 de julho no parque Ibirapuera (zona sul de São Paulo), com o frio de uns 14 graus ainda mordendo através da névoa, era bastante colorida.

Doria (sem paletó) e Bolsonaro fazem flexões durante evento esportivo em São Paulo
Doria (sem paletó) e Bolsonaro fazem flexões durante evento esportivo em São Paulo - Gilberto Marques - 19.jun.2019/Governo do Estado de São Paulo

Policiais envergando capacetes com penachos a cavalo, jipeiros com uniformes militares antigos e até um contingente todo vestido de branco numa banda marcial. Marinha? Não, era um grupo de aderentes da Cultura Racional, obscura seita mística que mistura espiritismo com ufologia e ganhou fama nos anos 1970 por recrutar por um tempo o irascível Tim Maia.

Nenhum disco voador pousou, bandeiras dos estados foram desfraldadas, e o show continuou. A pergunta que os curiosos mais faziam era: mas que diabos é esse 9 de julho, afinal?

É possível argumentar que a dita Revolução Constitucionalista é um divisor de águas sentido até hoje. Mesmo o antagonismo de visões sobre suas razões antecipou a era de extremos que vivemos na virtualidade dos nossos dias.

Há quem veja o movimento como uma mera revolta oligárquica de antigos barões do café contra o poder central sob Getúlio Vargas. O PT sob Lula foi o último bastião desse pensamento aplicado à política. O ex-presidente chamava 1932 de “golpe” e os tucanos locais, de herdeiros daquela aristocracia. O corolário era óbvio: Lula seria a continuação lógica da estirpe varguista.

Aqui o ex-presidente operou com maestria seu mantra do “nós contra eles”, elevando à categoria de verdade imutável a associação entre a rejeição da elite de 1932 a um interventor pernambucano e um suposto preconceito atávico dos paulistas contra nordestinos. O fato de Lula ser um caso de sucesso forjado em São Paulo era convenientemente esquecido.

Já aqueles que defendem o movimento ora celebrado veem nele a afirmação política de uma vanguarda cultural e econômica contra o autoritarismo de Vargas. A transformação da derrota numa vitória só pelo fato de que houve uma nova Constituição anos depois parece algo forçada, mas é inegável que esse “espírito de 1932” ganhou corpo como força orgânica.

Não por acaso, se vê muito mais 9 de Julho do que GV em logradouros paulistas, embora os campos de embate não sejam apenas simbólicos. É uma herança viva, para o bem e para o mal, e usualmente ao gosto do freguês.

Curiosamente, talvez por sua origem na esquerda do PMDB, o PSDB sempre usou tal mitologia com uma moderação quase envergonhada, ainda que tenha sido seu maior beneficiário nos tempos atuais —afinal, mesmo com o longo reinado do PT no Planalto, a cidadela nunca foi invadida e o partido hoje mantém estado e prefeitura em suas mãos.

São Paulo, e por extensão o PSDB, está nas mãos de João Doria após a implosão da velha ordem tucana. Como de esquerdista ele não tem nada, é visível seu esforço em equilibrar a persona paulista com a federal. Como um equilibrista chinês, gira o prato das potencialidades da maior economia do país de um lado, enquanto costura alianças e se vende como nordestino na origem no outro. Significativamente, estava em Londres no seu primeiro 9 de Julho.

Doria hoje ainda é um produto muito ligado à onda conservadora e antipolítica que colocou o improvável Jair Bolsonaro no Planalto. É de se especular o quanto daquela energia cinética estará à disposição de candidatos em 2022, e o pleito municipal do ano que vem será um aperitivo disso.

O presidente, por sua vez, se filia por gravidade à escola da rejeição ao “paulicentrismo”, como Vargas e Lula antes dele. Mas este nunca foi seu ponto de venda. Ele ainda encarna um fenômeno amorfo de negação destrutiva que ainda ressoa em São Paulo, como atos na Paulista e mesmo criancinhas com armas vestidas de PM no —sacrilégio!— desfile do 9 de Julho atestam.

Ele tem buscado de todas as formas manter a chama acesa, ainda que a realidade política e econômica tendam a solapar a falta de resultados práticos. O empate entre rejeição e aprovação no mais recente Datafolha apenas prova que a dinâmica escolhida do conflito seguirá.

E deixará a Doria a tarefa de correr atrás, talvez com um uniforme de constitucionalista somado a um chapéu de couro. Isso para não falar em Huck, alguém da esquerda, o imponderável de Almeida ou, para ficar no clima do Ibirapuera, talvez algum ET.

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