Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Igor Gielow

A ordem na era do caos

Não se sabe que mundo sucederá o atual, mas o parto não será indolor

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Em um mundo no qual impressões e certezas têm o mesmo peso, diluídos pelo instantâneo pixelizado da comunicação global, de repente parece que todas as desavenças resolveram emergir para serem resolvidas pelo recurso da força.

Soldados ucranianos prestes a seguir para linha de frente da guerra contra a Rússia participam de exercício militar em área de treinamento em Chernihiv, norte do país - Sergei Supinsky - 13.out.23/AFP

Em poucas semanas, azeris derrotaram armênios após três décadas, o mais ideológico dos conflitos de repercussão global explodiu com o ataque terrorista do Hamas a Israel, a Rússia afundou a contraofensiva de Kiev no seu atoleiro ucraniano.

Tem muito mais: os protagonistas EUA e China seguem a se estranhar nos mares, o caldeirão coreano segue em fervura alta, o conflito do Sudão ressurgiu e até uma disputa por petróleo resolveu dar o ar da graça entre Venezuela e Guiana.

Por óbvio, é assim desde que uma pedra foi jogada contra o vizinho de árvore. Até mesmo a geografia muda pouco.

O Sudão abriga indícios mais antigos conhecidos de conflito, 13,4 mil anos atrás, e a primeira batalha registrada ocorreu em 1457 a.C. no vale de Meggido, hoje em Israel —e, para quem acredita nisso, será palco da última, já que na escatologia cristã a região atende pelo nome grego de Armagedon.

O que nos turva a visão é a velocidade. Ela deriva do encurtamento de distâncias que a tecnologia proporcionou, seja no monitoramento em tempo real do campo de batalha por drones ucranianos e russos, seja pelas versões divergentes acerca de autoria de ataques a Gaza. Tudo demanda fusão de dados nem sempre coerentes.

Mas tal entropia política é também um estágio natural. Ela ocorre quando o arcabouço de governança global está em transição, o que no caso atual é um processo que vem do fim da Guerra Fria, em 1991, que já teve terror, guerra, crise financeira e até uma pandemia. Atores buscam seu espaço no palco, e cotoveladas são a regra.

A hegemonia americana não firmou-se como norte. A China ascendeu como potência desafiante primeiro pela economia, depois pela política, a Rússia tornou o ressentimento uma arma e ressuscitou métodos da década de 1930.

A ONU nunca passou de uma boa ideia, salvo em raros momentos, mas sua inutilidade vem sendo reiterada de crise em crise, do Iraque à Ucrânia e, agora, o Oriente Médio.

Opaca, silenciosa e distante de projetar poder como só os americanos conseguem de forma convencional, a China observa tudo enquanto vive seus próprios dramas. Como a Igreja Católica, Pequim gosta da perspectiva da longevidade para analisar e reagir, enquanto os EUA são filhos da reforma protestante, da celeridade industrial e do Iluminismo.

Ao longo da história, potências estabelecidas e desafiantes se alternaram na vitória. Não se sabe que mundo sucederá o atual, mas uma coisa é líquida: não será um parto indolor.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.