Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho
Descrição de chapéu COP28 mudança climática

Transição ecológica demanda coerência

E na COP 28 o que o Brasil não disse acabou falando mais alto

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Entre as lições da COP28, em Dubai, há uma que o Brasil trouxe para casa: o mundo cobra coerência dos países na transição de modelos de desenvolvimento dependentes de combustíveis fósseis para sociedades inclusivas, verdes e sustentáveis.

Levamos para a grande cúpula do clima um forte discurso de que as nações ricas devem financiar a transformação ecológica daquelas em desenvolvimento, movendo a roda para uma transição global justa. Também defendemos a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, desde que o processo fosse liderado pelos países desenvolvidos, o que não tira a responsabilidade de as nações em desenvolvimento planejarem e negociarem sua saída incremental dos combustíveis fósseis, para o bem de seus cidadãos e do nosso futuro comum neste planeta.

O Brasil, que aspira e reúne as condições de liderar outros países do G77 na transição e vai sediar a COP30 em plena Amazônia, daqui a dois anos, deixou a desejar. O chamado "phase out" brasileiro não foi convidado para esta COP. Isso tirou parte do brilho das boas notícias e propostas que o Brasil levou a Dubai e ainda nos rendeu o troféu Fóssil do Dia, "entregue" pela Climate Action Network (CAN).

Troféus, um deles em forma de cabeça de dinossauro, do antiprêmio Fóssil do Dia
Brasil ganhou na segunda-feira (4) o "antiprêmio" Fóssil do Dia - Ivan Finotti/Folhapress

O anúncio da possível adesão do país à Opep+, que reúne os países produtores e aliados, foi o responsável pelo antiprêmio satírico, em um momento que o país tinha inovações a anunciar ao mundo. O governo federal lançou oficialmente na COP, além do Plano de Transformação Ecológica, uma proposta de mecanismo de financiamento a países que mantenham suas florestas tropicais em pé e os projetos de taxonomia sustentável e de regulação do mercado de carbono.

Mas o que o Brasil não disse acabou falando mais alto.

À boa notícia da redução do desmatamento na Amazônia em quase 50% nos primeiros dez meses de 2023 se contrapôs a oferta de 603 novos blocos de petróleo em leilão previsto para o dia seguinte ao encerramento da COP —dos quais 94%, segundo estudo do Instituto Arayara, apresentam ao menos um critério ambiental digno de atenção.

Essa mesma redução de desmatamento pode ter seu impacto nas emissões de gases de efeito estufa anulado se for explorado o petróleo disponível na faixa de mar entre o Amapá e o Rio Grande do Norte, de acordo com dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg).

Em 2022, o último ano da desastrosa gestão ambiental do governo anterior, subsídios federais aos produtores de petróleo, carvão mineral e gás natural somaram 20% a mais do que no ano anterior. Em Dubai, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no lançamento do Plano de Transformação Ecológica, disse que serão necessários entre US$ 130 bilhões e US$ 160 bilhões para investir na transição.

O desafio é imenso, mas não enfrentá-lo custará muito mais. Divulgado também durante a COP28, o Global Tipping Points Report 2023, realizado por mais de 200 autores de 25 instituições internacionais, mostrou que cinco dos principais pontos de inflexão que podem gerar o colapso do equilíbrio planetário —como o derretimento das camadas de gelo da Groenlândia e a mortalidade dos recifes de corais em águas quentes— podem acontecer ainda antes da próxima década. E nossa população está atenta —a palavra do ano apurada pela Cause é mudanças climáticas, escolhida por 37% dos entrevistados em sua pesquisa anual.

O Brasil tem a possibilidade de aproveitar essa curta janela até a COP30 para dar o salto para uma economia desenvolvida, verde e justa. Isso exigirá negociações duras para alavancagem de investimentos e tomadas de riscos bem embasadas. Liderar pelo exemplo exige responsabilidade, transparência —e coerência.

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