Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho
Descrição de chapéu Fórum Econômico Mundial

Davos e as guerras contra a natureza

Edição deste ano escancarou a emergência da agenda climática em meio a desafios geopolíticos e socioeconômicos

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O Fórum Econômico Mundial (WEF, em inglês), realizado na semana passada em Davos, na Suíça, talvez tenha sido o menos estelar dos últimos anos, se considerarmos a participação de chefes de Estado e governo. Mas também foi o que mais escancarou a emergência da agenda climática em meio a desafios geopolíticos e socioeconômicos de uma era em alta voltagem de conflitos, na qual as lideranças mundiais têm mantido seus diálogos em uma Torre de Babel.

Não por coincidência, parte substancial do Relatório de Riscos Globais 2024, lançado pelo Fórum pouco antes do encontro, é dedicada a questões de clima e meio ambiente. O principal risco apontado nessa edição foi a desinformação, que também se relaciona fortemente com o tema.

Mulher negra, de cabelos grisalhos presos em coque, e usando óculos, gesticula enquanto fala
Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente, participa de evento no Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça - Ciaran McCrickard - 16.jan.2024/World Economic Forum

Neste ano, como membro da rede de especialistas e colíder do Conselho Global sobre o Futuro da Natureza e Segurança do WEF, tive a oportunidade de palestrar, mediar e participar de sessões abertas e fechadas em Davos. Se as atuais guerras em curso dominaram as pautas –não apenas entre Israel e Gaza, e Rússia e Ucrânia, mas as que há anos devastam a África e a que podem acontecer no Mar da China Meridional–, as relações entre os conflitos e a deterioração da natureza mostraram de forma cabal a necessidade de um realinhamento global político, econômico e tecnológico para combater um inimigo comum: as desigualdades.

Alguns pontos de reflexão trazidos desses dias intensos do Fórum:

1) Multilateralismo desafiado – A multipolaridade para a qual o mundo está migrando é conceitualmente positiva. Mas, na prática, essa divisão de liderança por vários países está ocorrendo em um momento em que as instituições multilaterais, e a ONU em particular, têm sido enfraquecidas em prol de alianças de interesses que buscam a dominância de grupos econômicos, ideológicos, religiosos ou apenas oportunistas. Isso está minando ainda mais a capacidade de as nações buscarem convergências e atuarem de forma conjunta. Como advertiu o secretário-geral da ONU, António Guterres, "divisões geopolíticas estão nos impedindo de nos unirmos em torno de soluções globais para desafios globais". O remédio é fortalecer a cooperação internacional, nada trivial no momento atual.

2) Natureza financiada – A transição energética e a descarbonização do mundo, que ganharam alento com o compromisso de eliminação gradual de combustíveis fósseis na COP28, não sairão do campo das boas intenções sem aportes robustos em fundos e soluções financeiras que apoiem a adaptação e a resiliência de comunidades afetadas, e incrementem e compensem a proteção de ecossistemas, em especial nos países em desenvolvimento. Algumas iniciativas foram anunciadas, mas é assustador perceber que os desastres climáticos recentes, com enormes perdas humanas e comprometimento de atividades econômicas, têm sido mais eficazes do que a ciência para catalisar a ação dos tomadores de decisão. Quantas catástrofes ainda serão necessárias?

3) Inteligência regulada – Muitas das conversas em Davos se concentraram não apenas nas promessas da inteligência artificial (IA) para remodelar todas as formas de trabalho e praticamente todos os setores de nossas vidas, mas também na preocupação real de que essa tecnologia saia do nosso controle. Regulamentação de IA é essencial em múltiplos níveis, e rápido. O que nos alimenta a esperança de mudança é trocar com jovens formadores de opinião, cada vez mais bem representados -- no caso do WEF, via a rede de Global Shapers. Em cada conversa, vemos a responsabilidade que temos de passar para as próximas gerações um mundo ainda possível de ser salvo. Elas estão mais conscientes dos desafios e das urgências, mais fiéis aos propósitos e princípios nos quais precisamos pensar coletivamente. Que nossas escolhas permitam que eles tenham a chance de salvaguardar nossa existência.

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