Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Jaime Spitzcovsky

Ajuda à linha dura iraniana

Renovar a tensão com Israel beneficia os radicais em Teerã, sob pressão

O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, fala em Teerã no início de janeiro
O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, fala em Teerã no início de janeiro - Escritório do Líder Supremo/Associated Press

Lançado de território sírio, um drone iraniano invadiu espaço aéreo israelense, foi abatido e gerou, como rege a doutrina militar de Israel, vigorosa resposta, com bombardeios contra alvos na Síria. Um caça usado na retaliação foi derrubado. O medidor de tensões no Oriente Médio atingiu um dos níveis mais altos das últimas décadas, justamente na véspera das cerimônias, em Teerã, de aniversário da revolução que levou, em 1979, os aiatolás ao poder.

Os festejos da teocracia iraniana se desenrolaram não apenas sob o manto de novos enfrentamentos com seu arquirrival, Israel, mas também poucas semanas após a mais intensa onda de protestos contra o regime desde 2009. Na repressão, cerca de 5.000 detidos e 25 mortos.

As manifestações começaram em 28 de dezembro e se espalharam por mais de 80 cidades. Ao contrário de desafios anteriores, apoiados em demandas políticas e contra fraudes eleitorais, o movimento dezembrista iraniano resgatou, no início, agenda essencialmente econômica, como melhor distribuição de renda e combate ao desemprego, hoje na casa dos 12%, embora estimativas apontem taxa de até 40% entre a população mais jovem.

A expectativa de uma onda de prosperidade funcionou como mola propulsora dos manifestantes. Em 2015, o Irã assinou acordo com potências internacionais, baseado no princípio de congelamento do programa nuclear de Teerã em troca de eliminação de sanções, arquitetadas para comprimir as artérias econômicas iranianas.

Nos últimos dois anos, a recessão desapareceu, mas indicadores teimam em exibir tensões sociais.

Nos protestos recentes, surgiram slogans como Deixem a Síria, pensem em nós ou O Líbano não é o Irã, criados para questionar um pilar do regime: a estratégia de exportar a revolução e ampliar a influência dos aiatolás no Oriente Médio.

Os manifestantes, portanto, demandam a destinação, ao cenário doméstico, de recursos canalizados para o projeto de influência regional, implementado há mais de três décadas, com significativo impacto, por exemplo, no Líbano, com o poder do grupo Hizbullah, e na Síria, com a ajuda crucial para salvar a ditadura de Bashar al-Assad.

Principais defensores do projeto regional, os setores linha-dura do regime iraniano enfrentam, desde dezembro, questionamento inaudito. Um aquecimento das tensões com Israel alimenta a retórica dos grupos conservadores em Teerã, empenhados em manter vivo o DNA da revolução de 1979, de desafiar os EUA e rejeitar a existência do Estado judeu.

Facções reformistas iranianas, também preocupadas com a sobrevivência do regime, priorizam o desarme da bomba econômica e, na intensa luta pelo poder em Teerã, recorrem aos ecos da explosão social de dezembro.

Com a infiltração do drone e as tensões regionais, os conservadores voltaram a fortalecer seus argumentos. Mas a ofensiva deve ficar, ao menos por ora, na retórica. Uma guerra com Israel significaria drenar mais recursos, o fim do acordo nuclear internacional e nova era de isolamento econômico, adicionando lenha na fogueira da insatisfação social da população iraniana.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.